Pressão pelo impeachment coloca em risco programas sociais

29/05/2023 22:28:43

“Enquanto a mídia alimenta a população com detalhes sórdidos dessa peleja entre os três poderes, projetos contrários aos nossos direitos estão sendo votados”. Leia entrevista com a advogada Magnólia Said.

Mesmo com a intervenção do Supremo Tribunal Federal para impedir o andamento do processo de impeachment e a manifestação de milhares de brasileiros nas ruas em apoio à permanência da presidenta, a maioria do Congresso ainda é a favor do afastamento de Dilma. 42% dos deputados federais são favoráveis à interrupção do mandato presidencial, segundo pesquisa feita em dezembro pelo Instituto Datafolha.

O engajamento dos movimentos sociais contra o golpe, inclusive dos membros da Articulação do Semiárido Brasileiro, mostra que a sociedade civil organizada deseja continuidade do mandato . Mesmo assim, o presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha, acusado de cobrar suborno em contratos com a Petrobras e desviar mais de vinte milhões de reais para contas no exterior, deve continuar pressionando para colocar em votação o pedido de afastamento.

Em entrevista, a advogada Magnólia Said argumenta que as acusações contra a presidenta não são suficientes para o impeachment e que os programas sociais estão em risco. Segundo ela, as elites do País pressionam para tomar o poder e retirar direitos conquistados pelos brasileiros.

Que interesses movem a tentativa de impeachment?

Para mim, são os interesses da extrema direita, um pequeno grupo que se julga naturalmente superior à maioria das pessoas e, portanto, pode definir o destino delas. Esse setor ainda não está satisfeito com a democracia em vigor, mesmo que limitada e nem com lentidão da agenda neoliberal em curso. Querem que sejam retirados mais direitos da classe trabalhadora, das pessoas pobres.

Trata-­se de uma articulação entre as representações das oligarquias, pessoas que têm muito dinheiro e poder e dominam a cultura, a política e a economia do País, do sistema financeiro e das corporações, para acumular mais ainda. E isso só pode acontecer com um Estado à serviço do grande capital e uma população com a capacidade de exercer sua indignação, controlada pelas forças policiais.

As acusações feitas contra Dilma justificam o pedido de impeachment?

O parecer jurídico que deu margem ao pedido de impeachment é baseado nas “pedaladas fiscais”, quando o governo pega dinheiro dos bancos públicos emprestado para determinadas ações, por exemplo o Bolsa Família e depois repõe. Ora, a gente sabe que todos os Executivos do Brasil fazem isso, desde Fernando Henrique. Isso não é motivo para abertura desse tipo de processo. Na Lei de Responsabilidade Fiscal está dito que, caso isso aconteça de má fé, quem tem resonsabilidade sobre isso é o chefe do Tesouro, que paga apenas uma multa, nada mais. O processo foi acolhido por Eduardo Cunha, um criminoso que deveria estar preso, respondendo a processo, se vivêssemos em um país sério.

Mas ocorre que é mais grave, o impeachment é de ordem política, perpetrado pelas forças daqueles setores, que não suportam ver seus projetos de poder desvendados. Tanto é de ordem política que não conheço movimento social ou entidades de classe ou qualquer outro setor organizado da sociedade civil que esteja apoiando esse pedido. É uma tentativa de golpe, baseado em insatisfações políticas, interesses contrariados.

Qual o risco para os programas sociais de assistência ao semiárido com a deposição de Dilma?

Programas sociais com caráter assistencial, não definidos e aprovados como política pública e, portanto , sem destinação orçamentária, estão sempre correndo perigo, a mercê do governante. É o caso do Bolsa Família, que Dilma não tinha como pagar, e do Projeto São José, que dependem em parte, de empréstimos externos. Se o governante não quiser ou o banco que vinha emprestando definir outra prioridade para sua estratégia de assistência ao país, ou o programa acaba ou reduz suas ações.

Você acredita que as manifestações populares contra o golpe terão influência no processo?

Creio que as ruas ainda não estão cheias como deveriam estar e com multidão sabendo por que está ali, já que corremos o perigo de termos retrocessos ainda maiores. Enquanto a mídia alimenta a população com detalhes sórdidos dessa peleja entre os três poderes, projetos contrários aos nossos direitos estão sendo votados, os serviços de proteção à natureza estão sendo cada vez mais sucateados e claramente a favor das corporações. A rede de proteção à infância e à juventude se esvaindo, mais mulheres sendo assassinadas por motivos bestiais, a juventude negra e pobre sem qualquer garantia. Está na hora de reconhecermos que esse sistema organizativo de governança é incapaz de cuidar dos bens comuns da natureza e proteger pessoas e animais. O crime doloso perpetrado pela Samarco, esse sim, teve omissão e conivência do governo federal.

Que estratégias os movimentos sociais, ongs e sociedade civil podem utilizar para defender a democracia?

Creio que precisamos dedicar nossas capacidades, que são muitas, a pensar novas formas de convivência, a observar e escutar o que tem sido construído nas ruas, nas aldeias, na praia, no mangue, no urbano e no rural. Dedicar nossas capacidades a respeitar e acolher o outro, a outra, não só quem está perto, mas quem está longe também. Darmos um mergulho nas nossas certezas, no que definimos como a melhor estratégia e vermos o que pode ser refeito, o que pode ser juntado, o que pode ser desfeito.

Magnólia Azevedo Said – feminista, socialista e advogada. Membro da equipe técnica do Esplar.

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