O fim do veneno e o início da transição agroecológica

29/05/2023 23:04:31

Conhecido entre os agricultores/as como “mata-mato”, os herbicidas, além de serem cancerígenos, trazem alto risco de intoxicação a quem os aplica. Conheça a história de Seu Bonfim e como a orientação agroecológica ajudou o agricultor de Ipaporanga a abandonar o uso de agrotóxico no seu roçado.

Quanto sofre a alma nessa casa de argila

"Coincidindo com a chegada da chuva no Sertão, por intermédio de uma capacitação do Projeto Sementes do Semiárido na Comunidade de Cajás do Jorge - Ipaporanga, reencontro 'Seu Bonfim', Manoel Coelho Alves da Silva, camponês de 57 anos beneficiado pelo Projeto, que em nosso primeiro encontro se demostrou muito resistente as práticas agroecológicas.

Pelo projeto, discutimos um processo de autonomia de agricultores e agricultoras para a retomada e fortalecimento da guarda de sementes crioulas, gerando sempre uma construção de saberes de forma coletiva. Nesta capacitação, Bonfim relatava toda a sua dificuldade de produzir sementes crioulas sem a utilização do tão falado veneno 'mata-mato' ou Glifosato, agrotóxico que segundo o agricultor facilitava sua vida na limpeza de sua área de roçado, sendo assim não via um motivo para deixar de usá-lo.

A indagação incisiva do camponês acalorou a todos e todas que participavam, gerando um debate muito rico sobre os riscos sociais e ambientais em que as pessoas negavam as práticas feitas por Seu Bonfim. Pensamos coletivamente como criar estratégias para o abandono do herbicida, que vinha a matar não só o mato, mas poderia também matar as minhas esperanças de construir um processo de transição agroecológica naquele grupo, pois  naquela comunidade  Bonfim não era o único a usar agrotóxicos, porém o único com coragem para falar de seus hábitos.

Perguntei qual era a opinião de sua esposa sobre o assunto, já que sua atitude de risco não atingia só a ele e sim toda a sua família, e rapidamente me responde; 'Raimunda tá meio chateada comigo, andei aplicando uns tantos do veneno no quintal para matar alguns pés de cansanção. Infelizmente, no outro dia, 29 galinhas estavam mortas no quintal e a mulher acha que foi por causa do veneno.' Esse relato de Seu Bonfim gerou risos dos que estavam presentes, porém em mim só aumentou minha angústia já que sabia o quanto estava sendo danoso para a família o uso indiscriminado do Glifosato.

No final do primeiro dia da capacitação, decidi visitar a casa da família. Chegando naquela casa de argila, proseei com Seu Bonfim para buscarmos saídas para a situação que, aparentemente, já estava gerando incômodo nele. Bonfim mostrava ser bem convicto de suas crenças, um 'crente de fé, e fé pouca não basta', dizia ele  referindo-se às concentrações exageradas do agrotóxico que aplicava.

Senti que ele estava cedendo ao não uso dos produtos químicos em seu roçado. Disse que, se eu o ensinasse qual a quantidade correta de aplicação, ele usaria pela última vez o produto, pois já havia comprado 5 litros do Glifosato e não queria ter o prejuízo financeiro. Eu não estava satisfeito com o acordo, mesmo assim aceitei e, movido pela fé que o próprio vinha a me contagiar, dentro daquele quartinho de argila que ele guardava os agrotóxicos a alternativa de convencimento surgiu.

Observando a embalagem dos produtos, percebemos que todos estavam com a validade vencida, que gerou muita indignação em Bonfim. Outro problema muito comum é a venda ilegal de produtos agropecuários e, juntamente com o agricultor, criamos uma forma para escapar do prejuízo financeiro, devolvendo os produtos ao vendedor.

Já no segundo dia da capacitação, peço ao “Seu Bonfim” para falar sobre o acontecido com ele e que, pela primeira vez, se mostrou totalmente contra ao uso de agrotóxicos e cheio de ideias alternativas ao uso, servindo de exemplo para os outros. E com a alma lavada lembrei que participar dessas mudanças é o que me fortalece, muda e motiva para continuar nessa caminhada agroecológica".

Por Gabriel Alves de Castro, agrônomo do Esplar no Projeto Sementes do Semiárido

 

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