Artigo Inegra "Pelo fim da barbárie no sistema prisional"

29/05/2023 23:08:20

Desde 21/05, dia em que foi iniciada e encerrada a rápida greve das/dos agentes penitenciárias/os, foi instalado um caos na crítica situação do sistema carcerário do Ceará.

A proibição das visitas das famílias foi o estopim para o início das rebeliões que foram e estão sendo contidas pela força e repressão. Os jornais evidenciam superficialmente a grave situação de violência no presídio feminino, e nos presídios masculinos (Carrapicho e nas CPPL I, II, III e IV), que também tiveram 18 assassinatos. O silêncio em torno dessa barbárie só não é maior que a banalidade com a realidade carcerária por parte da sociedade e do Estado.

Não existem informações sobre o número de pessoas machucadas. Também é difícil estimar o número de pessoas, predominantemente mulheres, impedidas de visitar seus parentes (maridos, companheiros, irmãos, filhos, sobrinhos, netos), que, bravamente fora dos presídios, lutam para ter informações de como eles estão, assim como pela garantia dos direitos deles assegurados, como determina a Lei de Execuções Penais.

Falamos inicialmente dos números de mortos, mas a questão principal não é numérica, são as vidas, as vidas humanas. E ao falar em vida, deparamo-nos com uma questão ética fundamental de uma sociedade que hierarquiza e determina quais vidas tem valor; quem merece ser presa/o; quem merece torturada/o; quem merece ser assassinada/o. A mesma sociedade tem uma perversa lógica de destituir a humanidade da pessoa acusada ou condenada por algum crime, desejando para elas/es o máximo de castigos e sofrimentos. Essa lógica e sentimento estão presentes e naturalizados na sociedade e nas polícias, e é bastante difundida e instigada pela mídia e redes sociais.

O que ocorre no sistema prisional do Ceará e do país é uma tragédia anunciada. O que foi feito para evitar tal tragédia? A quem interessa esse caos? De quem é a responsabilidade dos assassinatos? Que mudanças efetivas podem ser tomadas para mudar de uma vez por todas a situação prisional do Ceará e do país? Por que o Estado brasileiro finge acreditar que as pessoas que passaram pelo sistema prisional não voltarão a cometer crimes? Refletir sobre estas questões com todas as suas complexidades pode nos ajudar a compreender e perceber o esgotamento do sistema prisional. É urgente que esse sistema deixe de ser usado para conter as diversas expressões da questão social que clama por políticas públicas e garantia de direitos.

Chegou a hora da deusa Themis tirar a venda dos olhos e perceber o quanto a justiça tem sido seletiva e aprisionada, preponderantemente, a população masculina, negra, jovem, com baixa escolaridade e empobrecida. A história de vida da maioria da população carcerária é marcada pela violação de direitos humanos, como abandono, abuso e exploração sexual, fome, desemprego, trabalho precarizado, falta de assistência à saúde, evasão escola e, trabalho infantil. No caso das mulheres encarceradas, acrescentamos a violência sexista, a sobrecarga de trabalho, a lesbofobia, e a dependência financeira e afetiva em relação aos seus companheiros. Isso nos leva a afirmar que as desigualdades da realidade brasileira, pautadas no racismo, patriarcado e capitalismo, são determinantes na criminalização e aprisionamento em massa. Pois é possível perceber a escancarada e injusta seletividade na hora de aprisionar. O que justifica uma pessoa suspeita de ter roubado uma fatia de pizza para matar sua fome está, há meses, num presídio? Enquanto que, no mesmo estado, um homem branco e rico, acusado de ter assassinado a companheira chega acompanhado de uma equipe de advogados na delegacia e, mesmo assim, permanece em liberdade? Encontrar os caminhos de superação não é simples, nem ocorrerá de forma voluntária. Mas é urgente e o Estado tem um papel relevante, no judiciário, no executivo e no legislativo.

O poder judiciário tem um olhar conservador, superficial e pautado no senso comum, em relação à população que está sendo aprisionada e a realidade em que vive. As sentenças judiciais tem condenado: homens e mulheres como se todas/os tivessem cometidos crimes hediondos; pessoas usuárias de drogas sendo condenadas/os pelo tráfico; pessoas com transtornos mentais que necessitam de tratamento e não do cárcere. Este é um quadro grave é injusto. Gostaríamos de saber, afinal, quantas juízas e juízes conhecem a realidade dos presídios? Conhecem a estrutura física do sistema carcerário cearense e o seu funcionamento? Conhecem as condições de trabalho de agentes penitenciárias/os e outras/os profissionais? Conhecem as condições de superlotação das unidades prisionais? Sabem da ociosidade da maioria das/os internas/os? Das instalações sanitárias e o adoecimento físico e mental das/os internas/os? Conhecem a situação das mulheres que estão presas na companhia de seus bebês? De como se sentem as mulheres que têm filhas/os crianças e adolescentes? É urgente a aproximação do judiciário com o Sistema Carcerário, com base no compromisso com a transformação dessa realidade, que só ocorrerá efetivamente, quando o judiciário colocar os pés, as mãos e o coração junto daquelas/es que estão sob a custódia do Estado.

Quanto ao executivo, em meio a tanta violência, o governo Camilo Santana solicitou apoio da Força Nacional de Segurança, em uma decisão que pode agudizar, ainda mais, o caráter repressor, torturador e violento do sistema carcerário.

Em relação ao legislativo, o silêncio é tão ensurdecedor que, por vezes, pensamos se os Direitos Humanos pautam os projetos políticos aprovados por nossas/os legisladoras/es. O Sistema Carcerário cearense é fruto deles.

A racionalidade ocidental considera que o aprisionamento é a fórmula de resolução dos problemas socioeconômicos, de segurança pública e de justiça. Os resultados dessa política pública, por si só, colocam em xeque esse modelo. Busquemos nos inspirar em outras racionalidades.

Diante dessa barbárie, nós do Instituto Negra do Ceará – INEGRA, organização política feminista, antirracista e anticapitalista, convocamos a sociedade civil, organizada e não-organizada, a pressionar o poder público para assumir as responsabilidades com o colapso do sistema carcerário. Também exigimos do Estado mudanças imediatas e radicais que possibilitem uma transição para reverter a situação do sistema prisional no Estado:

1. Regularização das visitas;
2. Mutirão para a imediata revisão das prisões provisórias;
3. Aceleração das audiências de custódias;
4. Determinação de prisão domiciliar para as mulheres grávidas e com filhas/os até 12 anos, de acordo com a Lei 13.257/16;
5. Dispensa da obrigatoriedade de exame criminológico para fins de progressão de pena, conforme posicionamento do Supremo Tribunal Federal;
6. Determinação de prisão domiciliar para as pessoas condenadas com regime semiaberto;
7. Ampliação dos postos de trabalhos nas instituições públicas do Estado para mulheres e homens que cumprem penas e medidas alternativas;
8. Aumento do orçamento público das políticas públicas que assegurem os direitos fundamentais da população empobrecida, como forma de prevenção de delitos e crimes: alimentação, educação, cultura, lazer, saúde, renda, trabalho…

INSTITUTO NEGRA DO CEARÁ – INEGRA

Organizações:
1. Cáritas Arquidiocesana de Fortaleza
2. Cáritas Brasileira Regional Ceará
3. Centro de Defesa da Criança e do Adolescente – CEDECA
4. Centro de Estudos Bíblicos – CEBI
5. Centro de Estudos do Trabalho e de Assessoria ao Trabalhador – CETRA
6. Centro de Formação Terra do Sol – CFTS
7. Centro de Promoção da Vida Hélder Câmara
8. Coletivo Africano Em Tempos de Ayoká
9. Coletivo Feminista Rosas de Luta
10. Comitê Cearense pela Desmilitarização da Polícia e da Política
11. Diaconia
12. Fábrica de Imagens – Ações Educativas em Cidadania e Gênero
13. Fórum Cearense de Mulheres – FCM
14. Frente de Luta por Moradia
15. Laboratório de Estudos e Pesquisas em Afrobrasilidades, Gênero e Família – NUAFRO
16. Movimento Saúde Mental Comunitária – MSMC
17. Movimento Ibiapabano de Mulheres – MIM
18. Pastorais Sociais, Comunidades Eclesiais de Base e Organismos

Pessoas:
1. Ana Selma Costa – Assessora do CEBI/ESPAC
2. Deyse Mara – Educadora Física
3. Helena Martins – Jornalista
4. Isabel Cristina Forte – Educadora Social
5. Kelma de Yemanjá – Assistente Social e Servidora Pública
6. Liliane Carvalho – Assessora de Gênero do Território da Ibiapaba
7. Luiza Rios – Historiadora e Professora
8. Merilane Coelho – Ouvidora Geral da Defensoria Pública do Ceará
9. Raylka Franklin – Assistente Social e militante feminista do FCM
10. Regina Lúcia Feitosa Dias – Servidora pública
11. Susy Nobre de Menezes sou Pedagoga do Sistema Único da Assistência Social-SUAS
12. Valéria Pinheiro – pesquisadora do LEHAB-UFC e militante da Frente de Luta por Moradia
13. Vanda Souto – Pesquisadora e militante feminista do PSOL

Solicitamos divulgação. Quem quiser subscrever esta nota, favor enviar o nome completo da organização para o email Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

Fonte: Inegrace.wordpress.com

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