Uma família se especializa no cultivo de cheiro verde e torna-se fornecedora para os feirantes da cidade de Tamboril.
Um grupo de mulheres quilombolas faz bolos típicos e vende nas casas de sua comunidade. Um agricultor com mobilidade reduzida adapta seu quintal para circulação de cadeira de rodas e gerencia, desde o plantio, até criação de animais e a irrigação. Grupos de três famílias dividem a terra e o tanque coletivo da mandala para criar peixes, aves e irrigar as plantas. Artesãs crocheteiras de Irapuá há dez anos conseguem manter ativa a associação comunitária pela qual se organizam. Em julho, essas iniciativas vitoriosas de como viver da agricultura familiar e do trabalho comunitário foram mostradas de perto aos grupos de mulheres que integram o Projeto Educação Para a Liberdade.
Família agricultora garante fornecimento de cheiro verde
Cerca de quinhentos molhos de cheiro verde e cebolinha por semana é a produção que sai dos canteiros da família de Cleonice Feitosa e Paulo Alves para as bancas da feira no município de Tamboril. Durante dois dias, eles e elas abriram as portas de sua casa, que fica na comunidade São Manoel, para a visita de cerca de quarenta agricultoras. A mãe, o pai, as quatro filhas e o avô dedicam-se à agricultura familiar e explicaram às mulheres o sistema de produção que desenvolveram para que a venda do cheiro-verde se tornasse seu ganha-pão.
Hoje, existem 46 canteiros de dez metros de comprimento e um metro de largura na propriedade, mas quando começaram, há quatro anos, só havia dois de cheiro verde e dois de cebolinha. “Começamos a fornecer de pouquinho e fomos pegando gosto. Hoje o que sustenta nossa família é o cheiro verde”, diz Rafaela Feitosa, filha do casal.
A família inteira participa do trabalho nos canteiros e cuida deles de forma responsável, sem utilização de agrotóxicos. A lista de tarefas é longa: pela manhã, arrancar o mato, desbastar os canteiros, afofar a terra, colher os pés crescidos, preparar os molhos e, no final da tarde, aguar durante três horas seguidas. A cada oito dias, é preciso plantar um novo canteiro, e, quinzenalmente, colocar o adubo que preparam em casa. Todos os meses aplicam o defensivo natural feito com folhas de Nim trituradas com água e pimenta. Para afastar as formigas, usam cal diluída em água ou o pó de café. Dona Cleonice falou às outras agricultoras da alegria que sente produzir as hortaliças “Você está tão animada que não pensa no trabalho”, disse ela.
As mulheres do Educação Para a Liberdade também visitaram a comunidade quilombola de Torres, que existe há 93 anos em Tamboril e, desde 2007, é reconhecida oficialmente pela Fundação Palmares como um grupo de ancestralidade africana. No Torres, moram cerca de 36 famílias, lá um grupo de mulheres dirige a cozinha comunitária, onde são feitos bolos, pães de queijo e salgados. Elas preparam os quitutes e, assim que tiram do forno, vendem de porta em porta em sua comunidade, nas redondezas e na feira da cidade. O comércio de alimentos já faz parte do cotidiano no quilombo, os vizinhos já sabem e aguardam a chegada das mulheres com os quitutes para o lanche da tarde. “Se todo dia a gente produzir, todo dia vende”, afirma Marlene.
As quituteiras já foram contratadas para fornecer alimentos para eventos na sua cidade e também recebem encomendas. Toinha vê no grupo uma oportunidade de trabalho interessante “é uma renda e uma organização para as mulheres”, disse ela.
Acessibilidade e adaptações em quintal produtivo
O agricultor José Edmar de Sousa não tem o movimento das pernas, mas, com as adaptações de acessibilidade que fez no seu quintal, ele pode cuidar das plantas e bichos que sua família tem na comunidade Morro Agudo, em Nova Russas. Ele construiu várias rampas de acesso para locomover-se com sua cadeira de rodas pelo terreno de sua família. Para aguar os canteiros, basta girar uma torneira e todo o sistema de irrigação que ele mesmo desenvolveu entra em funcionamento.
Seu quintal é um ecossistema em equilíbrio, cada elemento ali tem sua função. O capim alimenta as aves, as fezes das aves adubam as plantas frutíferas e as hortaliças. Quando chove, a água que cai no telhado escorre pelas canaletas, irriga os canteiros e enche o tanque dos patos e dos peixes. “Fui fazendo com a inteligência que Deus me deu. Tenho a ideia e peço alguém para construir. Hoje está tudo adaptado, posso fazer quase tudo”, afirma Edmar.
Artesãs associadas nos fios de crochê
Há dez anos elas começaram. 16 artesãs da comunidade de Irapuá em Nova Russas estavam decididas a criar uma associação e reunir forças para trabalhar com o crochê, o bordado, a costura e a reciclagem. Elas participaram de capacitações para aperfeiçoar seus produtos e organizar o trabalho comunitário. Desta forma surgiu o grupo Moarti, que hoje mantém uma loja de artesanato na sede da associação de Irapuá e participa de feiras todos os anos.
Cada integrante tem direito de enviar suas peças sempre que o Moarti participa de eventos, e, para vender o crochê, elas já foram à feiras no Rio de Janeiro, Brasília, Fortaleza, Crateús e também na sua cidade. Cada uma delas tem também de seguir o regimento interno que mantém o grupo ativo. “E é bem pesado”, diz Lúcia Pinto, uma das artesãs mais antigas no coletivo. Precisam comparecer às reuniões todos os meses, contribuir com cinco reais para o fundo que cobre as despesas de internet, água e luz e mais a taxa de cinco por cento em cada peça vendida. Todos os anos é feita a prestação de contas das finanças do grupo de artesanato.
O preço de venda é igual para todas, tabelado pelo tamanho da roupa: pequeno, médio ou grande. “Organização de grupo é isso, não pode explorar ninguém”, diz ela. Para manter a qualidade do artesanato, elas padronizaram os pontos, formatos e trançados e nas embalagens e etiquetas está estampada a marca que identifica o grupo.
Lúcia explica que o grupo só tem a tanta força por causa da responsabilidade e do compromisso das associadas. O Moarti é importante também para as pessoas da comunidade se aproximem e façam amizades. No Irapuá, existe a “praça do crochê”, lá é o espaço onde se encontram para conversar enquanto trabalham. “Se torna um trabalho que ajuda a família, mas também é uma distração e um divertimento”, diz Lúcia.
Uma Mandalla, três famílias.
A unidade de produção rural conhecida como Mandalla foi projetada para que famílias agricultoras possam, juntas, plantar e criar animais para para sua alimentação básica. O tanque de seis metros de largura pode armazenar até 30 mil litros de água e serve para a criação de aves e peixes, assim como para a irrigação de bananeiras, cajueiros, hortaliças e os roçados de mandioca e outras espécies que desejem cultivar. A agricultora Raimunda mora no assentamento Morro Agudo e faz parte do grupo de mulheres do Projeto Educação Para a Liberdade. No dia 20 de julho, ela conduziu o intercâmbio e mostrou às agricultoras a Mandalla comunitária que divide com o esposo e mais duas famílias de seu assentamento.
Comida de qualidade no quintal de casa
Quando chegaram ao assentamento Morro Agudo, os moradores e moradoras tinham dificuldade de acesso à frutas e verduras. Hoje, com o acompanhamento agroecológico feito pelo projeto do Esplar e de outras instituições, quem coloca em prática o que aprende nas oficinas tem esses e outros alimentos no quintal de sua casa.
No intercâmbio, Raimunda demonstrou os cuidados que tem com suas plantas. Suas ervas medicinais estão verdes e viçosas, pois ela aplica biofertilizante e adubo sempre que precisa. Perto dos canteiros, há um monte de matéria orgânica empilhada, essa compostagem é aguada todos os dias até que esteja pronta para virar adubo. Em um tambor, ela também coloca restos de frutas, folhas e cinza que, com o tempo, se transformam em fertilizante orgânico. Com esses elementos e a água da sua cisterna, Dona Raimunda tem o necessário para manter as plantas vivas. "Não deixem de produzir, tem que aproveitar toda água para plantar suas plantas medicinais. Se a gente zelar pelo quintal, tem alimento de qualidade", aconselhou ela.
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