Casa de Sementes Pai Xingano: autonomia e liderança negra no Semiárido

29/05/2023 23:24:14

Com orgulho, as pessoas que vivem no Sítio Veiga se apresentam: moram em uma comunidade quilombola, surgida há mais um século a partir de negros e negras escravizados/as que fugiram e se fixaram no alto da Serra do Estêvão, em Quixadá.

Eles e elas são descendentes dos “negros do Veiga” e tentam manter viva as suas tradições, cultura e identidade. Há sete anos, conseguiram o reconhecimento do Incra como um grupo remanescente de quilombo e a delimitação de 967 hectares como seu  território. Buscam agora a regularização fundiária que finalmente lhes dará a propriedade coletiva da terra.

No Sítio Veiga, residem 39 famílias, a maioria delas tem a mesma origem: os fundadores e fundadoras do Sítio Veiga:  Chiquinho Ribeiro, ex-escravo que, por volta de 1900, fugiu da localidade de Pau dos Ferros, no Rio Grande do Norte, e se estabeleceu ali com sua esposa Dona Maria Fernandes da Silva e seis filhos do casal.

Assim como seus antepassados/as, que viviam da agricultura familiar, a comunidade manteve o hábito de plantar milho, feijão e fava para consumo próprio. A cada ano, a colheita dos seus roçados abastece as casas e, para a safra seguinte, são guardadas as melhores sementes.

O hábito de guardar e compartilhar, o desejo de não depender do fornecimento do governo e a consciência do valor das sementes crioulas para a biodiversidade e para a saúde humana fizeram com que a comunidade iniciasse, em 2010, a construção de uma casa de sementes com estoque coletivo mantido por doações. “Com muita dificuldade, mas fizemos e foi uma construção comunitária”, lembra Ana Eugênio, líder do Sítio Veiga e estudante de Serviço Social.

O Feijão Pingo de ouro, o Ligeiro, o Roxo e o Milho Ibra são algumas das espécies cultivadas no Sítio Veiga desde sua origem, e que agora estão guardadas na Casa de Sementes Pai Xingano, nome escolhido pelos moradores/as do Veiga em memória do seu fundador. Eles e elas perceberam que as sementes nativas são resistentes ao clima, as espigas de milho são maiores e produzem bastante palha para alimentar os animais. “Choveu a gente planta logo, não fica esperando pelo governo”, conta Edmundo Maciel da Silva, morador do Veiga.

“A gente viu que a comunidade dependia muito da semente do governo e, para quebrar isso, começou a discutir a  importância de ter semente saudável, resistente, a nossas próprias sementes. A do governo, além de vir envenenada, é uma semente sem resistência”,avalia a jovem do Veiga, Francisca Tainara Eugênio da Silva, de 18 anos, que integra o projeto da casa de sementes.

Com assessoria do Esplar, por meio do projeto Sementes do Semiárido, a comunidade identificou e classificou os tipos de sementes tradicionais e resgatou as memórias das famílias. “Desde de que me entendo no mundo, esse milho existe, meu pai já plantava dele. É do tempo da minha avó, que morreu com 99 anos”, relembra o agricultor ao mostrar as sementes do Ibra guardadas para o próximo plantio.

Cada família guarda seu estoque particular e os/as integrantes da  Casa de Sementes Pai Xingano fazem doações ao projeto comunitário, que vai entrando em atividade e se integrando à  vida do lugar. “Aos poucos, as famílias estão percebendo a importância que esta casa tem”, afirma Ana Eugênio. Diversificar os tipos de sementes, organizar o sistema de empréstimo e devolução, estruturar o espaço são alguns dos benefícios deste projeto às comunidades.

O potencial da agricultura familiar no Veiga é limitado por não possuírem terra para plantar, além disso há interferência dos proprietários dos terrenos onde moram. “A fava está desaparecendo, ela brota tardia e muitas vezes a gente plantava nas terras dos outros, mas ,quando estava florando, o dono da terra botava o gado dentro, isso desmotivou as famílias. Boa parte delas mora em terras alheias e precisa pagar renda. Quando a gente tiver a terra em nossas mãos, vai poder plantar o que quiser a variedade que quiser”, argumenta Ana. Mesmo com as dificuldades, estes agricultores  e agricultoras acreditam que a presença de uma casa de sementes os une. “Fortalecer a casa de sementes pra gente foi muito importante. Quando estava guardando as sementes, eu ouvia as pessoas dizerem 'ah, deste milho eu quero', ela lembra.

Moradia, educação e muitos outros direitos negados aos antepassados do Veiga, são aos poucos resgatados com a organização do grupo. O transporte escolar seguro para as crianças e adolescentes, os cursos profissionalizantes, os programas sociais de acesso à agua, a biblioteca comunitária, os projetos de leitura, a casa de produção de mel, a venda de doces feitos pelas mulheres dali são algumas destas conquistas e a comunidade busca agora conseguir uma escola diurna e dentro do quilombo.

“Somos uma comunidade remanescente de um povo que foi escravizado. Eram reis, rainhas, professores, curandeiros. Somos o que restou, não o resto que se joga no lixo, mas que continua resistindo. Onde nós formos, temos que dizer quem somos, de onde somos e o que queremos”, defende ela.

Informativo da Articulação Semiárido Brasileiro -  Esplar 2016

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