Quais serão suas atribuições como presidenta do Consea?
Como presidente do Consea Ceará, existem dois níveis de atribuições. Existem as atribuições que estão previstas no regimento interno, como preparar pauta, convocar reunião, delegar tarefas, fazer cumprir o regimento. Outra coisa é a face externa. No lado externo, tenho como responsabilidade animar os processos de consolidação de segurança alimentar. Tenho também a tarefa de fazer a atividade de representação. Então, onde se fizer necessária a presença do Consea, o presidente é a primeira pessoa indicada. Se não puder, ele ou ela delega para outro conselheiro cumprir essa tarefa. E também a tarefa de acompanhar o trabalho das câmaras técnicas permanentes que exitem dentro do Consea. O Conselho tem as câmaras técnicas e cada câmara é específica num determinado assunto e o presidente tem a obrigação de acompanhar o trabalho e os resultados dessas câmaras técnicas, que são como equipes dentro do Consea. As equipes fazem trabalhos e prestam contas à direção do Conselho. As atribuições são essas. Tem o papel fundamental de ser responsável pela divulgação e implantação dos sistemas de segurança alimentar principalmente no nosso caso, no caso do Ceará, que ainda há muitos municípios que ainda não tem conselhos instalados, não tem equipamentos de segurança alimentar, por exemplo: não tem um restaurante popular, não tem a cozinha comunitária, não tem um banco de alimentos, isso são tarefas que um presidente lidera para fora na sua gestão.
Que desafios sua gestão vai enfrentar nesses próximos dois anos?
Eu acho que um dos principais desafios é de levar para os municípios o Sistema de Segurança Alimentar, o Sisan, começar a pensar estratégias de interiorizar o Sistema de Segurança Alimentar para que os municípios se sintam contemplados e possam acessar políticas públicas de segurança alimentar, possam acessar a instalação de equipamentos, possam ter o funcionamento de equipamentos de segurança alimentar. Um município que tenha, por exemplo, um restaurante popular, para as famílias de baixa renda é de grande ajuda porque é uma refeição de qualidade oferecida por um preço baixíssimo. É fundamental que se interiorize essa dinâmica de consolidar o sistema de segurança alimentar levando tudo que o compõe para os municípios. Outro desafio é que nós temos que encarar a educação alimentar e nutricional da nossa população, especialmente das crianças e jovens que são mais vulneráveis ao que a mídia coloca sobre os alimentos indrustializados. É porque é o que está mais à mão, é oferecido pelas próprias famílias, é o que às vezes é mais barato. Temos também que nos preocupar com a questão da qualidade dos alimentos a partir da sua produção. Um trabalho em parceria com todos os órgãos sobre o uso abusivo dos agrotóxicos. É uma coisa que precisa ser cuidada porque tem veneno na comida. A gente está comendo veneno. No interior, qualquer agricultor usa veneno porque ele diz que é o que tem mais ação, é o que ele acredita. Mas nós temos que ter formas de discutir isso: como ter alimento de qualidade a partir de sua produção lá no campo, lá na roça. Outro desafio é a valorização da cultura alimentar. Não deixar que os nossos alimentos tradicionais conhecidos, esses alimentos que despertam nosso afeto, que eles desapareçam. Evitar que ocorra mais essa erosão. Porque acontece nessa civilização vários tipos de erosão. E essa erosão da memória cultural, da cultura alimentar, a gente tem que ter cuidados senão ela desaparece.
Qual o papel do Consea na sociedade?
O Conselho de Segurança Alimentar, quer seja em nível federal, quer seja estadual, quer seja em nível municipal, ele tem o papel de propor e de acompanhar as políticas públicas, ele assessora, na verdade, os governos. Qualquer um dos três níveis. Por isso que dentro do Consea tem governo e sociedade civil. Porque dentro do Consea você pode avaliar as políticas e pode propor o que precisa, pode assessorar os governos. No caso do Ceará, nós já estamos bem avançados porque nós já temos oficialmente o Plano Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional. Esse plano tem as diretrizes das políticas que precisam ser implementadas no Ceará para que se alcance o estado pleno de segurança alimentar.
Como se deu seu engajamento na área de segurança alimentar e nutricional?
Eu sempre fui interessada no assunto. Eu sou técnica em Economia Doméstica. E lá a gente já discutia essas coisas, inclusive a valorização do alimento, dos cuidados com o alimento, os cuidados com a higiene na preparação dos alimentos, tudo isso a gente via no curso. E isso já começou a me interessar. Eu via muito na bilbioteca lá da escola o que tinha de literatura sobre esse tema. Depois eu vim trabalhar no Esplar, cheguei aqui há 28 anos, e fui trabalhar no Projeto Tecnologias Alternativas. Esse projeto deu origem à Articulação Nacional de Agroecologia (ANA). Esse projeto trabalhava com agricultores familiares, resgatando as vivências dessas famílias, fazendo trocas de experiências, fazendo visitas, fazendo sistematizações. Tem tantas atividades que, por exemplo, a Articulação no Semiárido (ASA) incorporou nos seus programas experiências oriundas das instituições que trabalhavam com o Projeto de Tecnologias Alternativas (PTA). Elas tinham essas experiências e já fizeram uma proposta que acabou indo para dentro dos programas. Porque a ASA também, dentro da ASA, da sua fundação, tem várias instituições que tinham esse projeto. Era uma rede. A rede PTA que a gente chamava. Era em várias regiões do País, não era só no Nordeste. Depois eu fui para o Projeto Casa de Sementes Comunitárias. E, nesse projeto, a gente descobriu muito a história da memória, da cultura, da preservação das sementes e, em consequência, dos alimentos. Aí depois vieram as articulações das quais eu fiz parte. Em 1994, eu entrei na coordenação colegiada do Fórum Cearense de Ação da Cidadania. A gente trabalhava segurança alimentar. A gente preparou e participou da Primeira Conferência Nacional, em Brasília, em julho de 1994. Dez anos depois foi que aconteceu a segunda conferência, no governo Lula, já existia o Consea. E eu sou também uma das fundadoras do Fórum Cearense de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional. Fui participando de conferências, discutindo aqui dentro do Esplar nas capacitações. Eu participei de um programa inteiro de capacitação do Programa de Tecnologias Alternativas com os agricultores no Centro de Tecnologia em Madalena. Aqui no Esplar eu também fui muito capacitada nesse tema por ser uma das temáticas que o Esplar trabalhava.
Como você avalia o quadro da Segurança Alimentar no Brasil?
A segurança alimentar e nutricional no nosso País ainda se constitui um grande desafio. Mesmo o Brasil tendo saído do mapa da fome, tendo alcançado esse objetivo, que é um dos objetivos do milênio, é importantíssimo nós termos alcançado essa meta, mas ainda há muito o que ser feito. Principalmente em termos de controle social das políticas públicas, que é feito pela sociedade civil através de conselhos. Sociedade civil em parceria com o governo. Então há esse caminho ainda a ser percorrido, que é o caminho que se tornem donas do processo de acompanhar a implementação de políticas públicas. Não só de segurança alimentar, como também de saúde, de educação, todas essas precisam ser acompanhadas pela sociedade. É fundamental que as pessoas estejam preparadas para exercer esse papel no controle das políticas sociais. O controle social é o que propõe, é o que revê as políticas e avalia. Propõe para corrigir caminhos, para enriquecer o que precisa ainda ser implementado em termos de políticas sociais no nosso País.