Entrevista com Gema Galgani Silveira Leite Esmeraldo, professora da Universidade Federal do Ceará, sócia do Esplar e indicada ao Prêmio Diploma Mulher-Cidadã Carlota Pereira de Queirós.
Quase quarenta anos de engajamento na luta pelos direitos das mulheres, pesquisas feitas, livros publicados e formações de lideranças nos movimentos sociais levaram a professora da UFC, Gema Galgani, a ser indicada ao prêmio Mulher Cidadã, honraria da Comissão dos Direitos da Mulher da Câmara dos Deputados.
Gema testemunhou e contribuiu com a transformação que as mulheres da cidade e do campo causaram em suas comunidades. Juntas, organizadas e com a clareza das opressões que vivenciam, as trabalhadoras rurais mostraram o que antes não era visto, nem nas suas famílias, nem nos sindicatos, nem nas instituições públicas.
Quando criou-se espaços com as mulheres, e especificamente com agricultoras, elas refletiram sobre suas vidas e falaram o quanto trabalham pela sobrevivência de sua família, o quanto são merecedoras de direitos e de reconhecimento. Elas provaram também que podem contribuir ainda mais com suas comunidades, com a justiça social e com a preservação da natureza, “a luta universal”.
Ao longo de quatro décadas, professora Gema viu essas transformações culturais acontecerem com o apoio dos movimentos sociais e de ONGs como o Esplar, do qual é sócia. A professora percebe também que muitas outras mudanças virão. Ao seu tempo, as mulheres rurais têm encontrado sua forma de feminismo e mudado a forma de ver o mundo e a si mesmas. Sobre a bonita trajetória vivida entre a universidade e o campo, a professora conta suas experiências.
ESPLAR - Professora, como se deu sua aproximação com as questões de gênero no campo? Que histórias de vida lhe deram a dimensão desta desigualdade que existe no meio rural?
Gema - Quando eu me formei no curso de Economia Doméstica na UFC (1976), fui trabalhar na Emater Alagoas (Empresa De Assistência Técnica E Extensão Rural De Alagoas) em projetos que atuavam com pequenos agricultores para estimular a introdução de pacotes tecnológicos nas unidades familiares. Era o início da chamada Revolução Verde (que visava o aumento da produtividade agrícola com disseminação do uso de agrotóxicos e máquinas). Naquele momento, eu era uma técnica social, trabalhava em uma equipe em que havia também agrônomos e já percebia, embora ainda não de uma forma refletida, a divisão sexual do trabalho na assistência técnica. As técnicas contratadas em geral eram mulheres e íamos trabalhar com a mulher, mas nós não as enxergávamos como produtoras, mas sim no papel de reprodutora (trabalho doméstico e de reprodução familiar), dentro da unidade familiar e íamos trabalhar em temáticas e atividades relacionadas à educação alimentar e sanitária. Em momento algum a EMATER e órgãos financiadores nos levavam a perceber, a refletir e questionar que havia ali uma construção já de separação entre o lugar do homem e o lugar da mulher.
Na faculdade, como estudante universitária, não tínhamos problematizado essa realidade. Então, em um primeiro momento, quando eu chego, não percebo, somente ao longo do meu processo de atuação profissional e também lendo, estudando e atuando no movimento sindical lá em Alagoas, começo a perceber que havia ali uma separação entre o que era trabalho masculino e o que era trabalho feminino, não só entre os técnicos, mas também da separação que se construía na unidade familiar, quando os rapazes iam trabalhar com produção e nós com reprodução e trabalho doméstico. O despertar para essa discussão acontece nesse primeiro momento. Aí eu vou participar de ações em parceria com a Central Única dos Trabalhadores (CUT). Fiz parte do setor de formação da CUT e a gente já começava a fazer essa discussão sobre o lugar político da mulher na sociedade. Participei da criação da Secretaria Agrária do PT lá em Alagoas, no final da década de 1980 e foi essa minha atuação política fora da Emater que me levou a problematizar essa hierarquização dos papéis dos homens e mulheres, fossem técnicos e técnicas ou agricultores e agricultoras.
Quando saí da EMATER, fiz o concurso e vim para a Universidade Federal do Ceará (1991). Aqui eu já tinha essas primeiras formações e práticas de entendimento desta construção da sociedade que demarcava o lugar do homem e da mulher. Quando chego aqui na universidade, também fui imediatamente atuar com o movimento sindical docente (Associação dos Docentes da UFC) e militei com mulheres fantásticas. Encontrei Maria Luiza Fontenele, que já tinha construído no Ceará um grupo de mulheres em defesa da Anistia (Movimento Feminino pela Anistia), depois criaram o primeiro movimento de mulheres (União das Mulheres Cearenses). Isso repercutiu na nossa relação de trabalho dentro do sindicato e fui construindo essa consciência de que a sociedade tem um lugar menor para as mulheres, e para sair desse lugar, elas precisam agir, atuar e se organizar. E de que não é possível atuar individualmente é preciso atuar coletivamente.
Passei a participar de reuniões na CUT/CE com as mulheres que estavam organizando a Secretaria Estadual da Mulher e fiz a proposta de uma pesquisa conjunta sobre o lugar na mulher no movimento sindical. Nós fizemos coletivamente um levantamento dos sindicatos. Foram 17 na maioria urbanos e um rural, essa pesquisa resultou na minha dissertação de mestrado, que depois publicamos com o título O Feminino na Sombra: Relações de Poder na CUT. Com esse passo de estar na academia fazendo pesquisa de forma integrada e participativa com os movimentos sociais, eu passei a entender que eu não poderia me isolar e ficar restrita ao mundo acadêmico. Havia necessidade de compartilhar e construir esses saberes de forma coletiva. Nesse processo, eu estava ainda em João Pessoa no mestrado e tive conhecimento da existência da Redor (Rede Feminista Norte e Nordeste de Estudos e Pesquisas sobre Mulher e Relações de Gênero) e em diálogo com professoras do Departamento de Economia Doméstica/UFC criamos em 1997 o NEGIF (Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Gênero, Idade e Família). Juntamos uma equipe de professoras (Célia Gurgel, Celecina de Maria Veras Sales, Helena Selma Azevedo ,professoras do curso de Economia Doméstica da UFC) e a professora Maria Fátima Maciel Araújo (curso de Enfermagem UFC) e formamos um núcleo de pesquisa para oferecer nosso construir conhecimento e realizar formações junto à entidades sindicais, movimentos sociais e ONGs. A gente tinha necessidade de fazer pesquisa mais colada às reivindicações desses movimentos e essa era a função do NEGIF. Começamos também a nos preocupar com nossos estudantes, pois não havia disciplinas que tratassem dessas temáticas e conseguimos criar uma disciplina opcional chamada Estudos Especiais em Relações de Gênero. Tínhamos grupo de estudos, mas, o forte desse Núcleo foi a inserção na sociedade civil.
Já em 1997, comecei a fazer oficinas de gênero com as mulheres do movimento rural, principalmente do MST. Fátima Ribeiro, coordenadora estadual do MST, chamou o NEGIF para conversar e nos disse que ela era uma das poucas mulheres na direção nacional do MST e que se sentia muito solitária na tomada de decisão, no direito de falar e de ser escutada. Fátima trouxe essa solicitação de fazer formação dentro do MST sobre como mudar essa condição da mulher militante, para terem acesso aos espaços de decisão. Nossas primeiras experiências foram oficinas com as militantes do MST. Foram muitas, a nível regional, interestadual (Piauí, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco) depois começamos a ter inserção a nível nacional. Minha trajetória teve início de forma mais presente na relação com o MST. Convidaram-me para fazer uma pesquisa nacional a fim de identificar os avanços das mulheres dentro do movimento. Esse trabalho teve o aspecto político e a dimensão de apoiar a tomada de consciência das mulheres e sua a auto-organização. Elas começaram a construir estratégias para se inserirem nas instâncias de decisão do movimento e hoje elas têm paridade de gênero em todas as instâncias. Nesse processo de formação eu tive participação, fiz pesquisas e escrevi artigos. Assim foi crescendo minha participação com mulheres rurais, mas sempre na dimensão política, da tomada de consciência individual da sua condição de mulher, mas para que elas pudessem ter conquistas precisariam se organizar e ter uma ação coletiva.Tive ainda envolvimento com muitos movimentos sociais. Participei de projetos de formação em multiplicadoras em gênero com comerciárias; em palestras no Sindicato dos Bancários; no Sindicato de Trabalhadores das Indústrias Têxtil e no Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Castanha.
Quando venho para o Programa Residência Agrária, vinculado ao Centro de Ciências Agrárias na UFC (Projeto de extensão criado em 2004 por incentivo do Ministério do Desenvolvimento Agrário), passamos a trabalhar com a metodologia da alternância. Os estudantes passavam parte do tempo em assentamentos rurais e parte na universidade em ciclos de debates e grupos de estudos. O PRA teve início em 18 universidades e tinha como objetivo atender reivindicação dos movimentos do campo de formação de estudantes para assistência técnica à agricultura familiar.
Trabalhando com a metodologia Análise e Diagnóstico de Sistemas Agrários, que visa conhecer a unidade familiar a partir do aspecto produtivo, percebemos que essa metodologia não enxergava a mulher. E perguntamos: onde está a mulher no sistema produtivo? Ela existe, mas está invisível e precisamos afirmar o lugar dela. E fomos encontrar as mulheres nos quintais, onde elas constroem e conduzem um sistema agroalimentar. A gente começou a enxergar as mulheres criando galinhas no subsistema criação, plantando hortaliça no subsistema cultivo, fazendo sucos, polpas e doces de fruta no subsistema transformação, trabalhando na casa de farinha. A mulher está sim na unidade familiar produtiva e é também responsável pelo sistema agroalimentar. Quando fizemos a relação entre gênero e esta metodologia de análise e diagnóstico de sistemas agrários houve um salto na formação dos nossos estudantes.
ESPLAR - No início, houve estranhamento ou identificação das mulheres rurais quando eram apresentadas as ideias feministas? Como a senhora percebia?
Gema - Naquele momento, final de 1990, quando fizemos as primeiras oficinas no MST, essa palavra feminismo não existia, não era trazida no debate. A gente trazia a necessidade de valorizar, empoderar e organizar a mulher. Começamos trazendo a dimensão mulher, depois de gênero e, nas oficinas com casais, o conceito de gênero foi muito importante, nós explicamos às lideranças do movimento e aos assentados que homens e mulheres são construídos socialmente. Havia analfabetos adultos ali, por isso trabalhamos com figuras e com argila. Lembro de uma oficina em que trabalhamos com argila em um assentamento e foi de uma riqueza... levamos a argila e pedimos que os homens e mulheres moldassem os instrumentos de trabalho mais próximos, foi incrível. Homens moldaram enxada, mulheres panelas ‘Olha só como a sociedade constrói a gente e os instrumentos viram símbolos de gênero’. Trabalhamos ainda com histórias de vida, com o calendário diário de trabalho. Foram muitos instrumentos para trazer a fala deles e problematizar como a sociedade construiu aquele homem e aquela mulher e os papéis sociais diferenciados que têm uma hierarquia e uma relação de poder. Alguém é mais forte e mais poderoso e alguém vai ficar invisível na relação, mas isso vinha a partir da fala deles.
Outro salto bacana foi relacionar a luta de classe do movimento do campo com a luta de gênero. Depois, nos assentamentos, a gente encontrou negros, índios e essas outras dimensões, assim como as diferenças de geração, passam a ser trabalhadas. Isso tudo foi muito bom, aprendemos muito com essa relação com o campo.
ESPLAR - Como a senhora conheceu o Esplar?
Gema - Eu conhecia o Pedro Jorge, porque, quando eu morava em Alagoas, ele foi fazer uma formação sobre agricultura familiar. Quando venho para o Ceará eu o encontro casualmente e ele me convida para participar de algumas ações do Esplar. Aí é quando me convidam para ser sócia. Tive presença em muitas formações e principalmente em momentos de avaliação, quando professores, como eu e a Alba Maria Pinho éramos convidados para mediar esses momentos da entidade.
ESPLAR - Os dados que a senhora traz no livro “Ceará no feminino: as condições da vida mulher na zona rural” mostram uma mulher muito reclusa ao ambiente da própria casa e dedicada aos afazeres familiares. Como essa cultura patriarcal limita a vida da mulher do campo?
Gema - Essa pesquisa foi solicitada pelo CETRA a três professoras da Universidade Estadual do Ceará. Duas delas faleceram, mas o levantamento dos dados de campo já estava feito. Formamos então uma equipe para analisá-los e eu fiz o texto da pesquisa. O livro foi organizado por Lúcia Maria Paixão Aragão e Margarida Maria de Souza Pinheiro do CETRA e por mim. A gente percebe como seria interessante voltar hoje para o campo, para atualizar os dados dessa pesquisa, porque, naquela realidade (pesquisa realizada em 2003), você encontra a mulher com pouquíssima presença no mundo político, nas associações comunitárias, no movimento sindical como delegada ou diretora, na cooperativa, também na política partidária como vereadora. A pesquisa mostra que as mulheres praticamente não tinham participação política nesses modelos de organização, no máximo constituíam um grupo de rendeiras, de produtoras de artesanato, de doce. O que a gente observa como mudança importante é que à medida que os movimentos sociais vão chegando junto dessas associações, dessas entidades, assentamentos, comunidades e das mulheres a gente vai percebendo uma mudança. Para uma mulher isolada, a mudança de atitude é muito mais difícil, porque ela está sozinha e não tem muita condição de transformar a si mesma e ao coletivo, isso é muito difícil, por isso é fundamental a presença dos movimentos nas comunidades para aglutinar as mulheres.
O Esplar fez um trabalho fundamental quando introduziu o debate de gênero na sua instituição e foi apoiar a formação das mulheres na FETRAECE, a construção de grupo de mulheres nos sindicatos, formando lideranças mulheres, isso foi fundamental para elas se fortalecerem no discurso e na prática, porque, sem essa mediação, as mulheres sozinhas não têm estrutura que apoie essa mudança de atitude, comportamento e pensamento. Elas são pressionadas inclusive no seio familiar para se manterem no modelo binário, em que a mulher tem que desenvolver suas ações no espaço privado, familiar, como reprodutora e o homem no espaço produtivo. Esse é o modelo que a sociedade constrói e a família e a Igreja reforçam. A mulher isolada é pressionada por todas estas instituições. Por isso é importante o apoio de movimentos sociais e ONGs progressistas, que enxergam como esse modelo provoca a submissão das mulheres. O Esplar trouxe uma contribuição muito importante para tirar a mulher do lugar de isolamento e criar um lugar de diálogo entre elas, para se encontrarem e fazerem a discussão da sua condição de subordinação e invisibilidade. A mudança das mulheres é muito significativa a partir dos anos 1990, com a consciência política e o entendimento do seu lugar no espaço produtivo, reconhecendo que ela tem um papel importante na produção. Os projetos de quintais vão trazer para a mulher o reconhecimento da sua importância na economia familiar, mesmo que seja só para o consumo ela tem uma função extremamente importante.
O Esplar tem um trabalho lindíssimo com casas de sementes e, se você observar, são as mulheres que têm uma ação muito mais forte ali. É como se a semente de fato representasse a vida. Se eu guardo a sementes tenho a continuidade da minha produção.
ESPLAR - De início, as mulheres reconheceram as desigualdades de gênero, depois foram estimuladas à participação política. Hoje, quais são as reivindicações das trabalhadoras rurais?
Gema - Nossa! A agenda política das mulheres está cada vez maior. Elas começaram com uma reivindicação ainda muito situada no plano local, no micromundo delas, como projetos de criação de galinhas, de ovelhas, projeto para instalar casas de confecção, de transformação de castanha, de cooperativas para conseguir recursos do Banco do Brasil. Era uma ação tanto produtiva quanto política muito próxima ao seu mundo físico.
Em geral as reivindicações das mulheres são mais relacionadas à manutenção da vida. Há uma diferença grande entre as reivindicações das mulheres e de outros grupos. Elas reivindicam basicamente a melhoria das condições de vida das pessoas, sejam dos filhos, dos vizinhos. Há uma solidariedade nessas ações. Estão relacionadas à Saúde, Educação, água, habitação, o produtivo para ter uma renda, mas não para acumular, e sim para adquirir bens que não produzem na unidade familiar.
O que eu acho fantástico hoje é que, no momento em que as mulheres começaram a trabalhar a questão ambiental, elas deram um salto. Deixaram de enxergar somente o rio, com a falta de água, ou a terra que está infértil. Além de enxergar isso no plano local passaram a relacionar com a dimensão global, do planeta, isso é um avanço na pauta política das mulheres. Hoje elas não falam do seu lugar somente, elas falam do planeta. Essa consciência de fazer o vínculo do que estão vivendo no seu local, com o que o planeta está vivendo, isso para mim foi um grande salto na consciência política. Quando você vê as mulheres na Marcha das Margaridas falando de soberania alimentar, da preservação ambiental, dos agrotóxicos, é porque elas construíram a dimensão de que a luta delas é universal.
ESPLAR - O ambiente rural é para as mulheres um local de muita opressão, muito silêncio. A violência contra a mulher, por exemplo, é muito silenciada. A senhora percebe cooperação entre elas para lidar com isso?
Gema - Olha, quando elas estão organizadas nos movimentos, você vê uma maior cumplicidade, um sentimento maior de apoio coletivo. Quando estão isoladas, elas nem falam e nem buscam as companheiras. Inclusive, esse tema da violência no rural é recente no debate com as mulheres, porque foi muito difícil, é um tabu mesmo. As mulheres urbanas incorporaram mais rapidamente esse debate trazido pelo movimento feminista.
O debate do feminismo no campo tem tido um cuidado muito grande dos movimentos ao ser trabalhado, porque é outra realidade. Você não pode levar a mesma pauta de reivindicação do movimento feminista urbano para o rural, porque as mulheres rurais tem um sentimento religioso muito forte, isso faz que elas não tragam o debate do aborto, das sexualidades. Determinados temas para o rural são tabu a serem discutidos na mediação com os movimentos sociais.
Inicialmente, as mulheres rurais começaram a trazer a discussão do seu reconhecimento como gente, como trabalhadora! Olha quanta luta foi preciso essa mulher fazer antes de trazer a discussão da violência, porque havia outras questões imediatas, como a necessidade de ter direitos previdenciários e trabalhistas. Elas não se aposentavam, não tinham direito a licença-maternidade, até para o Estado reconhecer esses direitos para a mulher rural, ela precisou lutar para se sindicalizar. Na década de 1970, o homem se sindicalizava em nome do casal, e a mulher vai lutar para se sindicalizar e mostrar sua identidade como trabalhadora rural e acessar direitos previdenciários, também o direito a ter voz e voto nas associações. Um estudo que fizemos aqui mostra que na década de 1990, época de crescimento dos assentamentos rurais, o INCRA orientava que as associações deviam ser formadas, mas só quem tinha direito a votar era o homem, pois era ele o cadastrado. A mulher podia ir para as reuniões, mas não tinha o direito de voto. As instituições estavam reproduzindo a ideia de uma sociedade patriarcal.
Até chegar ao debate da violência contra a mulher no rural não foi fácil, porque havia outras prioridades. Nesse processo, que é muito novo, é do século XXI, as mulheres começam a ensaiar um feminismo que é completamente diferente de um movimento feminista urbano. A forma como está nascendo, como os debates estão chegando, quais temas são realmente tratados, eu enxergo um feminismo no meio rural com outro desenho, outra constituição. Uma frase exemplar que as mulheres estão levando é que sem feminismo não há agroecologia, isso vincula muito o feminismo ao modo de vida e de produção camponês, à defesa do meio ambiente, isso é muito bonito, defendê-lo como um bem comum, isso o feminismo camponês, que está em processo de construção, está fazendo. Eu percebo que esse feminismo tem um rosto bem diferente do feminismo urbano, mas vai chegar a discussão do aborto e da sexualidade, porque existe, assim como a violência de gênero sempre existiu, mas vai chegar quando as mulheres estiverem preparadas para discutir, enfrentar e falar.
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