A propriedade rural onde o agricultor José Airton mora com sua família não é grande, mas tem muitas árvores nativas.
Ali, a natureza conservada lhe dá, todos os anos, o gosto de apreciar a florada do bamburral, o riacho e os pés de aroeira, sabiá, marmeleiro, angico branco, angico verdadeiro, jurema e jucá. Com sua permissão, os vinte hectares de terra na comunidade Tapuio em Crateús foram visitados, medidos, examinados e registrados no Cadastro Ambiental Rural (CAR), sistema que atualizará informações sobre áreas verdes e desmatadas em todo o território brasileiro.
No Nordeste serão mapeados cerca de 52,4 milhões de hectares, no Ceará 7.948.067 hectares. O CAR reunirá informações sobre extensão dos terrenos, presença de rios e açudes, entre outros dados. Também serão monitoradas, via satélite, as áreas de reserva legal de preservação ambiental (APA), faixas de terra em todos os imóveis rurais onde é obrigatório manter a biodiversidade. O diagnóstico sobre a vegetação remanescente no Brasil servirá também para os cálculos de redução de CO2, compromisso firmado por 195 países na COP 21 Conferência Mundial do Clima.
De março a agosto de 2016, duas equipes do Esplar que atuam na Assistência Técnica Rural Agroecológica (ATER Agroecologia) cadastraram famílias agricultoras beneficiárias deste projeto. Do total de 800 famílias acompanhadas no território dos Sertões de Sobral e 450 nos Inhamuns, 32% delas puderam ser cadastradas, o que corresponde a cerca de 400 documentos que serão enviados ao Ministério do Meio Ambiente através do sistema Eletrônico chamado Sicar. As informações para o CAR foram fornecidas tanto por proprietários como por quem apenas mora na propriedade, como é caso da maior parte dos trabalhadores e trabalhadoras rurais acompanhados pelo Esplar. “Trabalhamos com famílias que não têm terra e trabalham na propriedade dos outros”, explica Antônio Marques, integrante da equipe ATER Inhamuns.
Nas duas macrorregiões, Esplar percorreu localidades explicando o novo Código Florestal Brasileiro, (Lei Nº 12.651) que torna obrigatório o Cadastro Ambiental Rural. No campo, as equipes explicaram a necessidade de informar os dados dos imóveis e permitir o georreferenciamento, já que, a partir de maio de 2017, o Governo Federal só permitirá financiamento do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), dentre outras políticas públicas, a agricultores e agricultores quem estiverem em dia com o CAR.
“O Cadastro é bom porque diz que as áreas podem ser recuperadas, trabalhando de forma correta com as práticas agroecológicas, manejos agroflorestais e agrossilvopastoris. São formas de recuperar áreas degradadas e tentamos repassar para eles”, lembra Mardônio Martins, técnico em agropecuária da ATER Agroecológica Sobral.
Nas visitas, ele percebia receio nos moradores e moradoras, mas também o desejo de cumprir a Lei. “Achavam que o Cadastro fosse, futuramente, prejudicar ou tomar a terra”. As equipes argumentavam que o documento não tem finalidade fundiária e repassavam as orientações sobre o tamanho obrigatório da reserva legal e da área de preservação ambiental (APA), como em margens de rios e açudes, nas quais é proibido derrubar a mata ou queimar. Nacélio de Almeida Chaves é agrônomo da equipe ATER Agroecológica de Sobral e acompanha comunidades rurais pelo Esplar. Ele lembra que existe o hábito popular de utilizar estas margens de terra para o roçado, já que são áreas mais férteis. “Havia essa preocupação: ‘se o único pedaço de chão produtivo é esse, agora onde vou plantar meu legume?´, diz. Uma alternativa mostrada pelos técnicos e técnicas de campo é a reflorestação com árvores frutíferas variadas e com plantas forrageiras adaptáveis à região Semiárida, cuja produção viabiliza novas opções de renda para a família.
Segundo o agrônomo, nas áreas de Serra, como em Meruoca e Alcântaras, onde há mais fiscalização do IBAMA, os moradores/as estão mais atentos às leis de preservação ambiental. “Nessas comunidades, a gente encontrou as margens de rios e de açudes com mais mata”. Ao contrário da região de monocultura, onde viram a mata nativa bastante reduzida, cenário comum no município de Bela Cruz, por exemplo. “Encontramos propriedades em que quase 90% das árvores eram só cajueiros, então os 20% de reserva legal vão ter que recuperar, deixar a mata se recompor”, diz Mardônio.
Durante os meses de cadastramento, a equipe encontrou pessoas que aprenderam as alternativas agroecológicas de convivência com a natureza e já não desmatam, ainda que sejam minoria. “Algumas famílias estão saindo de práticas convencionais predatórias, aprendendo e colocando na prática os manejos agroecológicos, como substituição de agroquímicos por preparados naturais bioprotetores e assim vão avançando na transição agroecológica. O CAR foi uma oportunidade de trazer mais uma reflexão sobre legislação ambiental para o conjunto da família”, explica Ronildo Mastroianni, agrônomo que coordena a equipe de Assistência Técnica Rural em Agrocoelogia (ATER Agroecológica Sertões de Sobral).
Em Crateús, a família de Airton Soares experimentou a transição agroecológica. Ele mora há mais de 40 anos em Tapuio e diz que antes desmatava para fazer o roçado de milho e feijão, o que já não faz mais. Hoje prefere fazer a adubação, a compostagem, plantar em curva nível, proteger o solo com restos vegetais e, mesmo com o trabalho na apicultura, horticultura, ovinocultura e avicultura, ele vê a mata nativa conservada nas suas terras
(Foto: Equipe de Assistência Técnica Rural Agroecológica do Esplar realiza Cadastro Ambiental Rural em Pacajus)
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