A equipe do Esplar encontrava famílias que não podiam fazer 03 refeições diárias.
E isso aconteceu há quase Dezesseis anos atrás, ao percorrer o interior do Ceará, famílias tão empobrecidas.
Hoje, os programas sociais reduziram a pobreza e conseguiram tirar a maior parte população brasileira da subnutrição, contudo 7,2 milhões de brasileiros/as ainda vivem em insegurança alimentar grave (PNAD/ IBGE).
No Dia Mundial da Alimentação, a presidenta do Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional do Ceará (Consea CE) e sócia do Esplar, Malvinier Macedo, alerta que redução no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e no Bolsa-Família, entre outros, irá prejudicar as ações do Plano Nacional e Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional para diminuir a fome e desnutrição no País.
Em 2001, no início do Programa Um Milhão de Cisternas, você visitou municípios pobres do Ceará, com baixo Índice de Desenvolvimento Humano. Em que nível de pobreza viviam as famílias? Como era a situação de insegurança alimentar?
Malvinier Macedo-Entre os anos de 2001 e 2013, o Esplar foi uma das entidades que efetivou o Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC) no interior do Ceará. No início da década passada, havia pobreza generalizada e encontramos famílias que não faziam as três refeições.
Café da manhã era apenas o café. No almoço, a mistura (carne), para muitas famílias, nem pensar, era da caça ou pesca, quando havia as condições para tal. Algumas pessoas tinham problemas crônicos de saúde e não podiam ter alimentação adequada.
As moradias eram precárias, sem banheiro, ou se havia, a porta era uma improvisada com um pano pendurado. Em 2012, ainda encontramos em Quixadá muitas casas de taipa, sem banheiros, cujos telhados eram inapropriados para coleta de água da chuva. A condição de moradia para muitas famílias ainda era a mesma de cem anos antes. E talvez ainda hoje, seja assim.
Há três anos, o Brasil saiu do Mapa da Fome. Que ações da sociedade civil e que políticas públicas foram responsáveis por isso?
Malvinier-Em 2002, o Cartão-Alimentação, o Vale-Gás e o Bolsa-Escola já beneficiavam as famílias. Em 2004, no Governo Lula, o Programa Bolsa-Família unificou esses auxílios e fortaleceu a rede de proteção social, ampliando o público atendido. Isso contribuiu para mudar as condições da maioria das famílias.
Em 2003, foi instituído o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), pelo qual o governo adquire diretamente do(as) agricultores(as) familiares os seus produtos, gerando renda no campo e levando alimentação para as populações mais vulneráveis.O aumento do salário mínimo e o incremento na economia, pela produção e elevação do consumo, também foram fatores que contribuíram para mudar o quadro de pobreza e miséria.
O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) já tem mais de sessenta anos e definiu em Lei desde 2009: que 30% dos produtos que irão compor a alimentação escolar devem ser adquiridos da agricultura familiar.
Segundo a FAO, a instalação das cisternas de placas para captação e armazenamento da água da chuva contribuiu com a mudança positiva para a população rural do Semiárido brasileiro e foi um fator importante para a saída do Brasil do Mapa da Fome.
A Articulação no Semiárido (ASA) teve um papel fundamental na mudança de lógica da convivência com o semiárido, disseminando tecnologias sociais, valorizando as populações rurais e sua diversidade de produção e de saberes.Os programas desenvolvidos pela ASA receberam recursos e apoio de diversas fontes, em sua maior parte, do Governo Federal.
Houve avanços consideráveis, como fim da desnutrição infantil. De que forma a sociedade civil pode intervir para que este problema não retorne?
Malvinier-Essa tarefa não é exclusiva da sociedade civil. O poder público deve priorizar ações voltadas para este ponto, e a sociedade civil, cumprindo seu papel de controle social via os diversos conselhos, por exemplo, podem impedir que esse problema retorne.
Lembrando que hoje vivemos os dois extremos: gente passando fome e gente com sobrepeso ou obesidade por conta da alimentação inadequada, decorrente de vários fatores, como o alto consumo de alimentos processados e ultraprocessados.
O acesso à informação também é imprescindível. Saber sobre os desmontes que estão ocorrendo desde o ano passado com os cortes de orçamento, em especial, nas políticas sociais. A retirada ou ameaça de retirada de direitos, exige uma ação articulada da sociedade para superar este momento tão difícil fase que estamos vivendo.
No Ceará, que grupo sociais estão mais vulneráveis à insegurança alimentar? Que órgãos públicos e instituições da sociedade civil devem assistí-los?
Malvinier-o Ceará tem 1.198.254 crianças, na faixa etária de 0 a 14 anos, em situação de pobreza e extrema pobreza, de acordo com o relatório “Cenário da Infância e Adolescência”, publicado pela Abrinq em 2015.
Se há tão alto número de crianças nessas condições, suas famílias estão em condições similares. Podemos então dizer que a insegurança alimentar e a vulnerabilidade em seus vários aspectos atinge uma parcela grande da população cearense.Para mudar esse quadro, é necessário que haja políticas implementadas de forma intersetorial para alcançar, com ações positivas, as diferentes faces das causas da pobreza e trazer as mudanças necessárias.
As metas do Plano Nacional e Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional serão prejudicadas ou inviabilizadas com os cortes de orçamento dos Programas Bolsa Família (1,5 milhão de pessoas) e Programa de Aquisição de Alimentos?
Malvinier-Se há cortes de orçamento em programas fundamentais para melhorar a condição de vida de milhares de famílias, as metas do II Plano Nacional e Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional (PLANSAN) para continuar na luta pela diminuição da fome e da desnutrição ficam seriamente comprometidas.
A ameaça de um retrocesso em Segurança Alimentar se torna real, especialmente para as populações menos favorecidas quanto ao Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA). Direito este que passou a vigorar a partir de 2010, no Art. 6º da Constituição Federal.
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