E mostra como as agricultoras e trabalhadoras rurais de diversos países contribuem para os 17 objetivos de Desenvolvimento Sustentável, almejados pela Organização das Nações Unidas (ONU) até 2030.
Foi lançada no dia 8 de março pela Organização das Nações Unidas para Alimentação (FAO), com parcerias em 15 países de toda a América Latina e Caribe. No Brasil, é promovida pela Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário (Sead).
O Esplar, Centro de Pesquisa e Assessoria apoia a campanha compartilhando as lutas de Joana Damasceno, agricultora de 63 anos, moradora da cidade de Nova Russas e parceira da Ong há cinco anos, por meio do Projeto Educação Para a Liberdade. Joana nos conta sua história de vida e se apresenta como uma mulher pobre e “com pouca leitura”, mas disposta a ajudar sua comunidade a conseguir direitos básicos, como alimentação, moradia e Saúde.
Em sua juventude, viveu um tempo em que “mulher não dava pitaco” em reunião de sindicato dos trabalhadores e trabalhadoras rurais, nem de associação comunitária, pois a maioria delas vivia reclusa ao lar. Quarenta anos atrás, ela mesma não entendia a importância da participação política das mulheres, mas sentia que precisava lutar contra a injustiça de não ter o que comer, água, nem onde morar.
Hoje, Joana encoraja as jovens de sua comunidade a participar do Conselho de Mulheres em sua cidade para juntas enfrentarem o machismo que ainda existe e ameaça a vida de todas as vítimas de violência doméstica.
Chegar ao movimento sindical
"Antes eu não valorizava, tinha era raiva de quem falava de sindicato, mas a década de 1980 foi um tempo de formação para mim, não esqueço nunca. Começamos a participar das Comunidades Eclesiais de Base, eu me interessei porque a gente morava em terra de patrão, em Tamboril, lá na Viração.
Era um período muito difícil, não tinha água, família pequena era muito sofrimento. Pagávamos renda. A gente não dormia à noite procurando água, era muito difícil.
Veio a formação de como era a política no tempo dos coronéis. Esse tempo era muito difícil para os trabalhadores... A gente formou grupos e eu era coordenadora, mas não sabia ler, a minha leitura era pouquinha. Eu aprendi um pouquinho a ler nas cartilhas do tempo de Dom Fragoso sobre como e lei pode ajudar e sobre formação política, no interesse de aprender, saber, de ver como aquilo ali ia dar mais na frente...
Veio a seca de 1983, foi um momento de luta muito grande e começaram a alistar as mulheres para trabalhar no Bolsão da Seca (mutirões de trabalho na construção civil) no município de Monsenhor Tabosa.
As mulheres tinha que exigir mode ter vaga para entrar no Bolsão da Seca para trabalhar para aumentar a renda da família. Foi aí que a luta continuou, me senti firme, porque já tinha conhecimento. Nós comecemos com um grupo de mulheres pequeno e exigimos (alistamento de mulheres) em Tamboril.
Nós ia pra Prefeitura e não arrumava as vagas, quando arrumava, os políticos pegavam e alistavam em outro canto. “Mas vamos mostrar com nós se alista! Invadimos a casa que era cheia, cheia, cheia, de merenda escolar e que os políticos davam para o gado porque era demais. Nós passava muita necessidade, muita mesmo.
“Mulher não dá pitaco!”
Começamos a descobrir junto com a CPT (Comissão Pastoral da Terra) essa questão de conquistar a terra. Conseguimos vir para cá, para o assentamento (Assentamento Lagoa do Norte, Nova Russas), com o grande objetivo de se organizar mais, de batalhar mais e levar este aprendizado a outras pessoas.
Com bem pouquinho conhecimento, mas com um estatutozinho a gente foi tentando, tentando e fundamos a Associação Comunitária dos Assentados e Assentadas de Lagoa de Norte, em junho de 1989. Era um grupo grande fazendo o mesmo trabalho, fui suplente (presidência), fui tesoureira... saí e dei lugar para os outros, mas fiquei sócia.
A ideia dos homens era que mulher não deveria estar em reunião, nem precisava trabalhar em roça, era para estar em casa. "Onde homem está, mulher não deve estar, mulher não dá pitaco em nada”. E nós ia devagarinho, e fomo entrando, fomo entrando... nos grupos sempre tinha mulher: duas, três.
Já conquistamos um tempo atrás, que a associação era quase toda de mulher. A gente tinha vontade colocar toda a direção de mulher. A casa de sementes foi uma conquista para a comunidade feita pelas mulheres. Os homens não puxavam a discussão, eles sabem que é bom, mas não encavara como necessidade e nós sim.
Horta, roça, galinha, costura. A peleja das mulheres rurais
Desde 1990, tem muito grupo de mulher, acaba um e nós estamos entrando em outro, tem hora que tem vinte, tem hora que fica três mulher, mas nunca se acabou. A gente caça outra coisa e continua.
Começamos nas hortas, depois embrejou a terra. Uns quatro grupos faziam a roça comunitária, plantava algodão junta e vendia, depois que dividiram a terra, ficou mais difícil. Fomos para criatório de galinha, tentamos, tentamos... mas veio o gogo. Passamos para corte e costura, fizemos roupa, vendemos, mas com a concorrência não deu. Aí veio o Esplar... a gente tinha uma horta muito bonita, mas com a seca, acabou-se, mas nós não desiste! (risos)
O que a maioria das mulheres precisa aqui é uma ajuda de custo para poderem ter o negócio delas, porque todas trabalham. As mais novas fazem crochê, pelejam muito, mas não tem um ponto de venda, não tem saída. Se a gente tivesse um apoio para produzir e vender, ia melhorar muito a vida das mulheres, porque em todas eu vejo a peleja, o sofrimento.
Um Conselho de Mulheres e uma casa-abrigo
O Conselho Municipal da Mulher é o que nós estamos encarando agora em Nova Russas Com o Conselho de Mulheres, a gente pode ter uma casa abrigo. Mulher que é violentada pode ter assistência para elas. Sabemos que tem muitas mulheres que são violentadas, dão parte dos agressores, mas que tiram a queixa porque ela não tem para onde ir. Se ficarem dentro de casa, eles matam ela mais depressa. O sentido do conselho era esse que tivesse uma punição, um local de abrigo pra elas, isso o conselho garante. Garante uma renda do orçamento Prefeitura ser repassado pra casa.
Participação política e capacitação
A Igreja pra mim é uma atuação política, porque fiz parte da coordenação da comunidade, da Pastoral da Criança, fui catequista com crianças e jovens. Até fazer estágio dentro do hospital para ajudar as pessoas que estão necessitando de primeiro socorro, tudo isso eu fiz e botei em prática. Teve uma coisa que me ajudou muito, quando comecei a participar do sindicato,surgiu um projeto de formação de dois anos em Saúde sexual reprodutiva, foi quando se começou a falar neste assunto .
Nas oficinas, no Grito da Terra, na Marcha das Margaridas, fui para todas! Só teve a derradeira, que não fui. A gente estava levando uma pauta de reivindicação que nós fomos buscar lá na casa das pessoas. Eu fui e me senti muito bem porque já a gente já fazia movimento, manifesto, reivindicação tanto no municípios, quanto no Estado. De tudo isso eu participei, tudim.
Vai ter mulher na presidência do sindicato!
Fiquei no sindicato, porque nós tinha o compromisso de renovar porque era muito parado. Lutamos junto aqui no município, mudamo a direção, fui suplente várias vezes, depois fiquei sendo Secretária de Mulher, depois passei a ser do coletivo de mulheres, ainda hoje eu sou. Passei a ser do conselho fiscal. Nesse movimento, eu quase não parava em casa, né?
Mesmo que a gente conquiste muitas coisas, tem hora que os homens têm mais vez. A gente se sente diminuída, tanto por ser mulher, como por não ter leitura, me senti muito pequena, senti que as pessoas derrubam a gente e até joga mesmo.
Eu fui aprendendo a defender minhas propostas na convivência. Eu gosto muito de ficar ouvindo e me preparo bem direitinho para eu poder falar, para estar segura. Lá No Sindicato, eu fiquei de suplente, fiquei de suplente... aí comecei a observar: tinha que ter a cota para as mulheres. Eu pensei: é agora! “Dona Joana a senhora vai ficar de suplente?”, perguntaram. “Vou não, não vou ficar por fora. Ou eu fico diretora, ou não fico em nada.”
Eu estava na direção e pensei: vou sair, mas quero deixar uma mulher presidenta. Tinha pressão dos outros, que queriam que fosse um homem, mas eu disse : é você, vai ser você. Ela encarou, foi eleita e já foi reeleita.
Aceitação da família
A luta com a família foi a fase mais pior. No começo pra mim participar, eu tinha que fechar os olhos, os ouvidos e ir. Sete filhos. Foi muito difícil meu marido aceitar.
Eu ia para Brasília, para Goiânia. No Seminário para construir políticas públicas para as mulheres, passei bem dois dias na Fetraece discutindo, dando proposta. Ele, ou entendeu, ou viu que não dava jeito. Meus filhos se acostumaram, talvez eles não entendesse muito.
Admiro as mulheres que em muitos grupos estão na frente, em ONGs, em Prefeituras. A gente sabe que essa história do machismo não acabou . Nessa caminhada, vou dizendo para as mais novas que eu espero deles é que participem. Mesmo que digam que não gostam, que experimentem. Eu também dizia que não gostava do sindicato, mas não sabia o que era. Quando a gente participa, a gente começa a ver o que é bom e o que não é. Na participação, a gente aprende a conhecer as pessoas, a gente cresce no conhecimento, respeita mais e sabe entender porque alguém está falando o contrário.
Entrevista concedida em novembro de 2016. Edição preserva o modo de falar da agricultora.
Conheça o Projeto Educação Para Liberdade, realizado pelo Esplar com parceria da We World