A Reserva Indígena Taba dos Anacé foi entregue na última terça-feira (06) pelo Governo do Estado do Ceará às aldeias Baixa das Carnaúbas, Currupião, Matões e Bolso, pertencentes ao povo indígena Anacé. Apesar da emoção com o reconhecimento da primeira reserva indígena do Ceará, representantes do povo Anacé que permanecem nos territórios de ocupação tradicional demonstram indignação diante do desrespeito às terras ancestrais e denunciam perseguição em conflitos territoriais.
“Querem nos retirar de nossas terras, mas existe uma espiritualidade na terra habitada por nossos ancestrais que o Estado não respeita. Índio não negocia a própria Mãe. A terra é a nossa Mãe”, pontua Roberto Anacé. A fala de Roberto exemplifica a problemática que envolve a política de demarcação das terras indígenas no Ceará e o significado de “terra” para o povo Anacé. Mesmo após longo processo de luta e resistência, a primeira reserva do Estado foi demarcada justamente em um território não tradicional. Desta forma, é necessário refletir: qualquer terra basta para os povos indígenas?
As quatro aldeias que agora habitam a reserva foram removidas de São Gonçalo do Amarante por causa da construção da refinaria Premium II, da Petrobras. A empresa desistiu do empreendimento em 2015, mas, mesmo assim, as aldeias não retornaram ao seu território ancestral, onde existiam locais sagrados e centenários. Na nova reserva, as aldeias terão acesso a 163 unidades habitacionais, uma escola e um posto de saúde. Outras aldeias do povo Anacé, contudo, ainda lutam pela demarcação das terras onde viveram seus ancestrais.
De acordo com Climério Anacé, cerca de mil pessoas reconhecidas pela política de saúde indígena vivem nas terras originárias dos Anacé sob tensão e medo de uma iminente desapropriação. Climério relata que muitas famílias, inclusive a sua, já foram expulsas de suas casas e, agora, lutam por retomar parte das terras. “80% de nossas terras originárias estão nas mãos de um único posseiro”, denuncia. Aos poucos, eles tentam ocupar novamente alguns territórios, que serão destinados à agricultura, conforme Climério.
Durante a solenidade de entrega da reserva, o advogado e ativista Weibe Tapeba criticou a lentidão da política de demarcação de terras no Ceará. Segundo Weibe, o Ceará é o estado mais atrasado no processo de reconhecimento do direito dos povos indígenas às suas terras de ocupação tradicional.
Enquanto isso, o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Franklimberg Ribeiro de Freitas, revela que o órgão conta com recursos de 115 milhões previstos no orçamento de 2018, que devem ser investidos prioritariamente na proteção territorial e na promoção do desenvolvimento sustentável dos povos indígenas. Para o presidente da Funai, a entrega da reserva efetivou a compensação pelas desapropriações feitas por causa da construção da refinaria.
Por outro lado, representantes das famílias que vão habitar a reserva comemoram a conquista após 20 anos de luta pela demarcação da terra. A líder Valdelice Fernandes de Morais Anacé pretende trabalhar pela união das famílias em prol da sustentabilidade da comunidade. “Essa conquista não foi fácil. Muito sofrimento. Muito choro. Nunca baixei a cabeça por medo. Sempre dizendo vamos lutar. Sempre pedimos força a Tupã. De agora para frente, nós vamos lutar mais. Vamos buscar projetos produtivos para o desenvolvimento de nossas plantações e criações”, conta Valdelice.
No Ceará, existem 14 povos indígenas, que compõem uma população aproximada de 32 mil pessoas. A grande maioria destas aguarda a demarcação de suas terras para garantir sua sobrevivência e perpetuar suas tradições. O Esplar atua em prol do fortalecimento das capacidades de gestão, intervenção social e política das associações indígenas cearenses por meio do projeto “Urucum: fortalecendo a autonomia político-organizativa dos povos indígenas”, em parceria com a Associação para Desenvolvimento Local Co-Produzido (Adelco).