Rendeiras de Chorozinho contam sua história através das linhas e fortalecem o laço com o tempo

29/05/2023 01:13:20

As mãos das mulheres rendeiras das comunidades rurais de Chorozinho mantém a tradição da renda em bilro ao longo das gerações na localidade. Elas constroem uma história de auto afirmação e independência no campo. Remontando a outros tempos onde era natural se reunir as mulheres da casa em torno do alpendre, ou da sala para começar a produção das rendas.

Por João Martins*

As mãos das mulheres rendeiras das comunidades rurais de Chorozinho mantém a tradição da renda em bilro ao longo das gerações na localidade. Elas constroem uma história de auto afirmação e independência no campo. Remontando a outros tempos onde era natural se reunir as mulheres da casa em torno do alpendre, ou da sala para começar a produção das rendas. Desde criança as então meninas de Choró Tapera e Patos dos Silva começavam a contar sem saber sua própria história, tecendo com uma sutileza única uma tradição que remonta tempos muito antigos. Nesse contexto, o estalar dos pares de bilros quando manuseados habilmente pelas mãos das mulheres não são apenas lembranças de um tempo que passou, mas se torna um fator único nessas comunidades rurais, que compõem detalhes da sonoridade do Semiárido.

O termo “bilro” remete às peças utilizadas para prender as linhas que irão trançar as rendas ou os bicos (como são chamados um tipo de renda que tem uma base retilínea e outra arredondada ou pontiaguda). Os bilros que seguram as linhas a serem tecidas são feitos de sementes de buriti presos a um pedaço de madeira de marmeleiro ou pereiro, árvores comuns na caatinga, produzem um som agudo ao serem manuseados. As “fôrmas” utilizadas para montar o formato da renda são chamadas de “papelão” pelas rendeiras, geralmente elas reaproveitam caixas de leite ou caixas de sabão em pó, mas também podem ser utilizados plásticos, que para as rendeiras duram mais, não precisando trocar com muita frequência. Finalmente a almofada completa o que uma rendeira deve utilizar para trabalhar, feita com tecido de rede e preenchida com capim ou folha de bananeira, ela encaixa o molde e as linhas presas aos bilros. Os espinhos de cardeiro ou de mandacaru ficam nos buracos das fôrmas, guiando os caminhos das linhas.

Repassando o ofício e multiplicando os saberes

Antes a “renda” também era financeira para as mulheres. Em Choró Tapera, Dona Luzenira, 64 anos, trabalha há mais de cinco décadas com sua almofada de bilro e criou quatro filhos com seus rendados. Ela aprendeu o ofício escondida da mãe, “não mexa na minha almofada”, dizia a matriarca antes de dormir. Luzenira desobedecia e pela manhã a mãe notava que a “pilica” (nome dado quando a rendeira completa uma “volta” na fôrma) estava completa, sabendo assim que a filha gostava de fazer o trabalho. Ela não imaginava que anos depois a filha faria do ofício a forma de sustentar seus filhos no campo. Já dona Maria, que reside em Patos dos Silva, conta sobre a primeira renda que fez aos sete anos de idade: a “peixinha”, lembra ela, contando o formato de peixe que o trabalho final tinha. A memória das rendeiras faz dona Helena retomar os trançados mais complexos do tempo que era criança, fazendo-a afirmar que o comércio das peças era mais difícil.

Ensinar o ofício para outras pessoas da comunidade não foi obrigação para as rendeiras, mas a manutenção da cultura depende diretamente do repasse de conhecimentos. Girlene, de 38 anos, teme o desaparecimento da cultura da renda de bilro, mas conta que sempre que aparece alguém querendo aprender, ela ensina o passo-a-passo: “Eu mesma já ensinei a outras mulheres aqui da comunidade, mas vai ficar a critério da minha filha aprender a fazer a renda de bilro”. Ela vende suas rendas e seus bicos em Cascavel, no litoral do Ceará, cada peça tem em média nove metros e leva cerca de cinco dias para ser finalizada, porém o preço não compensa o trabalho manual para boa parte das mulheres.

O tato das rendeiras, a visualidade dos traços nas rendas, a sonoridade que o movimento das agulhas traz, são características marcantes da localidade. O estalar dos bilros destaca um sensível trabalho das mulheres rendeiras de Chorozinho na história da localidade.

*Comunicador popular do Esplar / ASA

Este texto foi produzido para a publicação “O Candeeiro”, nº 1661, de maio de 2014

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