Por Evelyn Ferreira
Nambi/Caridade
Com a minha cisterna de enxurrada,
eu faço a minha cultura.
Tanto mi, tanto a cana,
o feijão e a verdura
p’a poder alimentar
meus comedor de rapadura.
(José Ivaldo, agricultor)
A terra rachando em pleno Semiárido traz à memória do imaginário comum um sentimento de tristeza. Escassez de água, vegetação sem o verde vibrante, animais morrendo, gente morrendo. Mas, na terra de José Ivaldo, quando a terra começa a abrir rachaduras é sinal de fartura, sinal de que a macaxeira já está pronta para ser colhida. O agricultor bate no solo rachado próximo ao pé de macaxeira e escuta um som abafado, como se a terra estivesse oca. “Tá ouvindo? Tem macaxeira aqui”.
E a macaxeira cozida combina com o cafezinho comprado em grãos na serra de Guaramiranga e torrado e moído na propriedade da família. O processo de torrar os grãos demora cerca de 40 minutos, a depender da quantidade que se queira fazer. O sabor e o cheiro do café fresco invadem o paladar de quem prova e a casa onde vive com a esposa, Lúcia Maria, e dois filhos.
Lúcia e José Ivaldo sempre viveram da agricultura, uniram-se há 23 anos e continuam garantindo a alimentação da família com o que plantam no quintal. Fartura de feijão pode ser vista no quarto do casal. O estoque conta com 37 garrafas cheias. Além disso, a colheita deste ano já garantiu jerimum, milho, goiaba, coco, entre outras riquezas.
A fartura na propriedade é fruto do esforço do casal. Os dois cuidam juntos do roçado, da casa, dos filhos. Não há atividade de homem ou de mulher. O casal faz tudo coletivamente. Mas cada um tem suas paixões. A de Lúcia é costurar. “É bom que nem vejo o tempo passar”, diz. E José dedica seu tempo livre ao conserto de aparelhos de rádio antigos. “Tem uns três lá dentro. Não vendo nenhum”.
José também tem um gravador antigo que funciona com fita. Aperta o botão de ligar e sai a voz de Luiz Gonzaga em canções que falam do Sertão. Quando sai para comprar os grãos de café, o gravador com a fita do Rei do Baião faz companhia num compartimento da moto que parece ter sido feito para o aparelho. “Saudade, meu remédio é cantar”...
A água
“Nós somos ricos de água”, sorri Lúcia ao falar da cisterna recebida no final de 2013 pelo Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2). E José complementa em tom de brincadeira: “essa aqui Deus não mandou, veio foi deixar”.
O casal lembra as dificuldades enfrentadas em estiagens passadas. Moradores da comunidade do Nambi de Baixo, precisavam ir de madrugada à região vizinha para buscar água para beber. Mas esta era sempre muito disputada, havia fila. Nem sempre conseguiam voltar com água para casa. Um sofrimento hoje lembrado com o sorriso de quem conseguiu superar momentos difíceis que a vida apresenta.
Hoje não há mais necessidade disso. O casal tem água garantida para consumo humano ao lado de casa e água para produção no quintal. A cisterna-enxurrada de 52 mil litros já sangrou três vezes em apenas seis meses.
Angico, o Defensor
Para conseguir garantir a produção livre de pragas, durante os cursos de Gestão de Água para Produção de Alimentos (GAPA) e Sistema Simplificado de Manejo de Água para a Produção (SISMA), do P1+2, José aprendeu a utilizar defensivos naturais. Com esses defensivos, não há necessidade do uso de veneno nas plantas. Os alimentos que vêm da terra podem ser melhor aproveitados e dar mais saúde a quem os consome.
José mostra a diferença nos galhos da goiabeira do quintal. “Vê aqui a diferença?”, pergunta enquanto mostra um galho com folhas murchas pelo ataque das pragas e outro bem vivo, limpo. A mudança é notória. Os defensivos funcionam e não agridem ao meio ambiente. Uma das caldas que José utiliza é a do angico, que combate lagartas. Quer anotar a receita? É bem fácil e o próprio José ensina: “O angico, a gente faz no tambor. Bota a casca do angico e, depois de oito dias, tira a casca, coa, aí já pode botar na bomba”.