*Por Dani Guerra e Neuma Morais, do Esplar - Centro de Pesquisa e Assessoria
A opinião de uma criança de 9 anos sobre o quadro da insegurança alimentar grave (ou seja, fome) que atinge 21% da população do Nordeste (II VIGISAN) não poderia ter outro resultado. O menino Marlon de Santana do Acaraú no Ceará resume: “É injusto”. Tal injustiça é facilmente percebida pelas crianças do assentamento onde ele vive. O que talvez não esteja tão definido na experiência delas é a tamanha importância e o potencial que os quintais produtivos de suas próprias casas e até mesmo escolas têm para reverter esse quadro lamentável.
Sob os cuidados das mães e das avós, a produção de alimentos locais é muitas vezes pormenorizada diante da quantidade de opções industrializadas que lotam as prateleiras dos mercadinhos/mercearias. Pensando em transformar esta percepção, um projeto do Esplar chamado Educação Ambiental nas Escolas trouxe, neste ano, a temática da soberania alimentar e nutricional com atividades lúdicas e reflexivas para as crianças e adolescentes que vivem na zona rural de cinco cidades cearenses: Canindé, Choró, Quixadá, Sobral e Santana do Acaraú.
No Ceará, a fome atinge 2,4 milhões de pessoas, onde a renda é o principal fator agravante para esta situação: 65% dos domicílios que sofrem com a insegurança alimentar convivem com menos de meio salário-mínimo por pessoa. Além de ocupar a quinta posição do Nordeste no ranking da fome, apenas 18,2% da população cearense está em situação de segurança alimentar, ou seja, acesso regular e permanente a alimentos de qualidade. É um quadro que pode e deve mudar.
Por isso, incentivamos a reflexão: Qual a relação entre o que se come com aquilo que se produz? O que a produção de alimentos tem a ver com o meio ambiente? A partir de processos educativos, as crianças e os adolescentes participantes do projeto podem desenhar novas relações entre o que são, o que veem as famílias produzirem e quais as condições em que vivem e se alimentam.
Usando figurinhas recortadas que representam os alimentos, cada criança vai preenchendo um prato fictício com aquilo que gosta de comer, entre alimentos saudáveis ou industrializados. Escolhas feitas, elas vão ser percebidas como opções, nada estáticas, nem neutras, e compartilhadas, para enfim repensá-las.
De onde vem o “xilito”(salgadinho de milho)? E o biscoito recheado? E o feijão? Percebe-se, então, que nem tudo precisa ser mediado pelo dinheiro, que a produção do roçado mantém itens importantes para a alimentação familiar e, em alguns casos, ainda é vendida ou trocada com a comunidade. No Ceará, de acordo com dados do IBGE (2019), 39,6% da produção agropecuária vem da agricultura familiar. Esta produção assume papel importante no enfrentamento à pobreza rural.
Após este momento da oficina, é chegada a hora de analisar as práticas de produção que a família utiliza. Nas comunidades rurais atendidas pelo projeto, reina a agricultura familiar. Porém, nem sempre as práticas de produção respeitam o meio ambiente, as unidades familiares utilizam as queimadas e o veneno, por exemplo. Orientar as famílias e crianças para a construção de um projeto de desenvolvimento solidário, ecologicamente sustentável e resiliente às mudanças climáticas, com foco na agricultura de base agroecológica, é um dos nossos pilares no Esplar.
Outro dado importante do setor, por exemplo, é a faixa etária das produtoras e produtores familiares, que concentra mais de 60% das pessoas entre os 45 e os 75 anos. Os jovens até os 25 anos ocupam apenas 2% dos agricultores familiares. Atualmente, em idade escolar, as crianças e os adolescentes apenas auxiliam na produção dos familiares, mas a construção de futuros está em disputa.
A educação ambiental e alimentar dentro da escola modifica as percepções e traz outras discussões para as atividades curriculares do lugar. O chão da escola ganha, então, extensão para a comunidade e para a natureza, ressignificando territórios inteiros de sertão, entre os pés de fruta, os roçados de grãos e os canteiros de hortaliças.
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