Do roçado ao mercadinho: Nova Russas sistematiza transformações no consumo alimentar

19/05/2025 16:42:14
Do roçado ao mercadinho: Nova Russas sistematiza transformações no consumo alimentar

Em oficina participativa, comunidades rurais mapeiam 35 anos de mudanças na produção e no consumo de alimentos.

A diversidade de alimentos que compõem a mesa das famílias do Nordeste está se transformando drasticamente nas últimas décadas e, com essas mudanças, estão se reconfigurando as relações com água, terra, resíduos e comercialização nas comunidades rurais. No dia 8 de maio, o Esplar mobilizou agricultoras, agricultores, representantes de instituições locais para dialogar sobre o consumo alimentar em Nova Russas, na terceira oficina do projeto Cultivando Futuros.

Esta edição da oficina mergulhou nas transformações do consumo e abastecimento alimentar local, criando uma sistematização participativa de alimentos saudáveis e não saudáveis utilizados no município. A partir das memórias e vivências das pessoas participantes, o grupo construiu um mural visual comparativo entre os anos de 1990 e 2025.

Antes da sistematização, a equipe técnica conduziu duas dinâmicas. A primeira “Mais que trecos e objetos: ancestralidades e afetividades do povo de Nova Russas” possibilitou cultivar a memória das pessoas em relação às vivências familiares, saberes tradicionais e objetos simbólicos. Em seguida, o momento “Sentidos fazem sentido” permitiu perceber os alimentos naturais e processados além do sentido da visão, tão explorada pela publicidade alimentar.


Mapeando o ontem e o hoje do consumo alimentar

O diálogo revelou que, em 1990, havia uma maior diversidade de alimentos produzidos pelas próprias agricultoras e agricultores. Era comum que esses alimentos fossem compartilhados ou emprestados em caso de necessidade. Os produtos como o cuscuz, a farinha e o arroz costumavam ser plantados e beneficiados pelas próprias comunidades, mas agora são adquiridos externamente nos mercantis.

Eu sinto falta da gente fazer o nosso próprio alimento, por exemplo, a massa de milho que a gente faz, o cuscuz antigamente a gente fazia a massa, a gente moía no moinho, era saudável, hoje em dia não, tudo é no empacotado, no processado. Eu até postei um vídeo de uma família fazendo uma farinhada que a gente chamava antigamente, hoje em dia, a gente só vive de compra”, relata a agricultora Lídia de Carvalho.

Quando questionadas sobre o consumo de alimentos saudáveis em 2025, as pessoas participantes ficaram alguns minutos em silêncio antes de levantar uma questão fundamental: “como vamos saber se esses alimentos são realmente saudáveis?”. O agricultor Vicente Neto completa:

A gente não tem uma garantia, ou não sabe 100% o que tem ali, a gente sabe com certeza o principal, mas o que vem embutido ninguém sabe”.

As comunidades que praticam agroecologia apontam parte da solução: feijão, milho, gergelim, melancia, cheiro verde, tomate e criação de galinha - tudo cultivado no roçado e no quintal sem veneno e sem transgênico. No entanto, essas mesmas pessoas reconhecem o aumento do consumo de alimentos industrializados pelas comunidades.

Nós, agricultores, a gente produzia quase tudo que servia para a alimentação, a gente foi perdendo isso com o tempo, um por conta das facilidades vendidas para gente e outra porque a gente se acomoda porque dá menos trabalho”, explica Vicente Neto.


 

As relações de reciprocidade e o desafio das embalagens

Eudes Carvalho, secretário-geral do STRAAF de Nova Russas, Eudes Carvalho, destacou outra mudança significativa: a forma como as comunidades compartilhavam o alimento produzido.

Havia uma maneira das pessoas, que não era mercantilizada a agricultura né, o vizinho quando matava um porco, tinha a vizinhança chamava para almoçar em casa e muitas vezes emprestava a gordura para temperar, quando ele matava o porco e pagava aquela gordura e também convidava o outro vizinho para poder almoçar na sua casa, então havia uma troca de experiência, uma troca também de solidariedade”.

As transformações no consumo de alimentos trouxeram mudanças na forma de embalar e transportar os alimentos. Antigamente, as embalagens eram produzidas pelas próprias comunidades, utilizando palha de carnaúba e diferentes tipos de cipós, materiais que não viravam lixo, mas fonte de adubo.

Em 2025, as comunidades enfrentam um problema crônico: a multiplicação de embalagens plásticas sem processamento adequado, acumulando resíduos em áreas que antes não conviviam com este tipo de poluição.


Cultivando Futuros

A iniciativa faz parte de um conjunto de oficinas municipais que buscam compreender, em rede, quais mudanças estão ocorrendo nos sistemas de produção, distribuição e no abastecimento alimentar e como isso dialoga com o acesso à políticas públicas nos territórios estudados.

A aplicação do Método Lume se consolida como uma potente abordagem de Ater Agroecológica, com uma diversidade de instrumentos pedagógicos para trabalhar com as famílias agricultoras usando os princípios da educação popular”, reflete o diretor do Esplar, Ronildo Mastroianni.

O Cultivando Futuros é uma realização da AS-PTA, Pão para o mundo (Brot fur de Welt) e Rede ATER Nordeste de Agroecologia; com financiamento do Ministério Federal da Alimentação e da Agricultura da Alemanha (BMEL, na sigla em alemão). Através da Rede ATER Nordeste de Agroecologia, o Cultivando Futuros está sendo realizado nos estados da Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe.

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