Cipó dos Anjos fica 40 km distante da cidade. Rodovia reta. Asfalto. Estranhei. A paisagem plana, a estrada, as casas.
Tudo diferente da região da Galinha eternamente Choca, onde todas as estradas tem muitas curvas, estreitam-se e se alargam, são empoeiradas, margeadas por cercas irregulares aparentando estarem ali desde séculos.
Onde as moradas são muito diferentes umas das outras. Vemos de choupanas a belas casas modernas de dois andares. Casas embaixo de imensas rochas. Outras, abraçadas pelas muralhas naturais.
Mesmo com a degradação, existem árvores. Ainda. São tantos juazeiros que dá gosto olhar seu verde brilhante. Lembram vacas ruminando. Não sei porque sempre os associei a essa imagem. (Imagino Vicente levando Conceição* para a sombra de um deles quando ela passou mal com o calor da seca de quinze).
Em alguns pontos, árvores frutíferas, que me deixam contente, porque representam alimento, conforto de sombra, lembranças de infância.
E as rochas que desafiam a nossa imaginação. A cada dia ou a cada ida lá, vejo imagens diferentes formadas por elas. Sob a luz do sol ou da lua refletindo na sua imponência nos fazem entrar em mágicos recantos. Às vezes, se tem a sensação de que estamos envoltos por suas formas, por seu poder, por seu encanto.
E os povos das rochas! Os povos do ninho e do terreiro da Galinha eternamente Choca que estão sempre em intenso movimento.
Tudo isso refletido no espelho aquático do Cedro que multiplica as imagens da vida que pulsa em todas as reentrâncias e saliências da paisagem.
Após seis meses nesse ambiente, estranhei a rodovia reta, a ausência da trepidação que nos sacolejava. as nuvens de poeira.
No trajeto cidade/Cipó dos Anjos, as terras são planas, as árvores terrivelmente escassas, não tem ou não teve vai-e-vem humano. As casas são parecidas entre si, com suas cores claras e terrivelmente nuas de árvores e sombras à sua volta.
Viajo por um outro Quixadá e reflito sobre como o sertão se apresenta de tantas formas.
Na sede do Cipó dos Anjos, somos recebidas pela Agente Comunitária de Saúde. Seu nome é Vânia. Explicamos o objetivo da nossa visita e ela responde que dois rapazes já passaram por lá, com a mesma tarefa, mas que não mais voltaram. Ela tem em mãos, uma relação com demandas para cisternas organizada com a participação das famílias A carência de água é enorme. Algumas pessoas já possuem cisternas construídas com recursos próprios ou de projetos, como um da Cáritas.
Ao ler os nomes que lhe passamos, ela diz que já viu aqueles nomes na lista dos visitantes anteriores.
Conferimos todos os nomes e eu anoto todas as observações. Ao final ela prepara um café. E logo depois, Lena e eu iniciamos as visitas.
A lista com 105 nomes tem 15 CPFs zerados. Algumas pessoas moram em outras localidades, outras são desconhecidas. mas um número considerável vive na sede desse distrito.
Já em casa, à noite, justificamos nomes e situações no SIGA.
Ficou combinado que amanhã, estaremos lá, às 8h, para fazermos as visitas, guiadas por Vânia. Vai render bem.
Ao regressarmos já era noite. Na pista, os carros com a luz alta dos faróis incomoda. Parece que isso é a regra. Lamentavelmente.
Mas gostamos do novo desafio.
Até mais!
Saudações fraternas, Malvinier Macedo - 23.11.2012
*Vicente e Conceição são personagens do romance O Quinze, de Rachel de Queiroz.